1 de setembro de 2010

Entre flores e sabiás

Que sensação boa chegar sem ter esperado o tempo passar. Nunca um vôo de 9 horas foi tão curto. Da próxima vez faço o mesmo: durmo pouco nas quatro noites anteriores ao vôo porque só assim pra conseguir babar por quatro horas na blusa pólo do velhinho fofo que sentou ao meu lado. Ao avistar a terra vermelha do meu quadradinho, veio como um flash a imagem da minha chegada a Brasília em fevereiro de 2006, vindo do inverno québécois. Lembrei do sentimento de alivío-alegria que bateu quando senti as rodinhas do avião tocarem o chão, choraaava que nem criança que pede colo. O colo que eu queria se chama latossolo.

Desta vez não teve nem choro contido. Estaria eu mais insensível? E comecei a racionalizar... "É que como já fui e voltei algumas vezes, e como adquiri experiência e gosto por essas idas e vindas, sei que elas vão acontecer a qualquer momento." Ou mesmo que nem aconteçam, o mais importante é a gente se sentir preparado e disposto a enfrentar tais idas e vindas (nossas - e dos outros). Esses dias, duas amigas de Brasília vieram dizer que eu sou corajosa por ter vivido sozinha em outra cultura e reconstruído uma rede social do zero. O engraçado é que além de não me achar nada corajosa por isso, reconheço que foram poucos os momentos tão marcantes e gostosos como o de chegar perdida em uma cidade desconhecida. Medo? Medo eu tenho é dessa vida pequena e pacata onde as pessoas se preocupam com futilidades e discutem abobrinhas. Me arrepio ao assistir mulheres conversando sobre pulseiras e langeries por mais de 10 minutos. Arrepio, coceira e agonia é o que me dá. Vontade de correr e pedir socorro. Então começo a me perguntar: Eu faço eu parte deste clã? Qual é a minha tribo, afinal?

Voltei feliz sim. Feliz por poder abraçar, beijar, conversar e estar com meus amores maiores, aqueles que estão dentro da gente quando a gente tá sozinho no mundo. Voltei feliz por acreditar na mudança e na reconstrução: do indivíduo e dos seus hábitos, das suas amizades e crenças, do seu jeito de enxergar, sentir e transformar as pessoas e o meio onde ele vive. Meus pais continuam workaholics, mas mais sociáveis, comprometidos e viajantes. Meu cãozinho tá cego, surdo e manco, mas ele continua sendo o ser mais lindo desse Universo. O único que percebe quando eu estou triste mesmo antes de colocar pra tocar aquele CD dor de cutuvelo total. Minhas amigas estão lindas, coradas, dispostas e bem amadas (algumas tias e ricas também). Felizmente nenhuma conversou sobre pulseiras e langeries por mais de 5 minutos até o momento. Ufa!

E é com saudade da vida que Gràcia me agraciou que eu quero uma vida nova na minha amada Brasília. Meus passos ainda estão se encaixando de leve em uma dança repleta de dúvidas, piruetas e desejos. Sei que ser a saudosa pessimista que acha que a vida boa ficou lá fora não vai além. Quero que as lembranças de uma vida de sonhos e fantasia me inspirem a mudar a realidade da minha cidade. Mas pra quê me inspirar lá longe se são as próprias cores e contrastes da minha ilha que me lembram que é possível florescer diante das dificuldades...

24 de julho de 2010

Oportunidade: Roca

Quando confirmei com o Dr. Nuno Rodrigues no dia 24 de Março que a Roca em Leiria estaria de portas abertas para que eu realizasse o estágio com a equipa de Recursos Humanos, não consegui me sentir motivada a participar do processo de selecção de outras empresas. Sentia que aquela oportunidade representaria um desafio enorme na minha vida profissional por diversos motivos (apesar de só ter descobrido a maioria deles agora, depois de concluir esta experiência).

Primeiramente pela própria actividade proposta: avaliar o modelo de gestão adoptado pela Empresa exigiria (e decididamente exigiu!) que eu compreendesse a cultura da Roca em pouco tempo. Todo o processo que envolveu realizar as entrevistas: conhecer a organização funcional, entrar em contato por e-mail e/ou telefone e, finalmente, conduzir 46 entrevistas pessoalmente, que variaram de 20 minutos a 1 hora de duração por pessoa, me fizeram conhecer a forma de funcionamento, os estilos de liderança, os principais meios de comunicação e interacção adoptados pelos colaboradores da Roca em questão de dias. Sem sombra de dúvida, o espaço de fala proporcionado pela entrevista nos permite entrar em contacto não apenas com um turbilhão de palavras, mas de percepções, sentimentos, dificuldades e desejos daquele conjunto de trabalhadores.

Além disso, o facto de a Roca ser uma empresa do sector industrial me atraía muito. É difícil reconhecer que há trabalhos que exigem força física, que são monótonos e repetitivos mas que precisam ser feitos (pelo menos a curto e médio prazos porque eu sozinha não seria capaz de mudar toda a organização e funcionamento da Empresa sem a abertura da alta administração). As máquinas e os robôs ajudam muito, mas não substituem o olhar e acção humanos. A precisão e experiência são essenciais para a realização de certas tarefas e estas são características que só o ser humano possui.

Mas então, como melhorar o ambiente de trabalho e fazer com que aquela tarefa braçal respeite as limitações humanas, não leve ao adoecimento (fisicamente ou mentalmente) e mais: proporcione saúde, prazer e bem-estar ao trabalhador? Esta era uma reflexão que eu fazia todos os dias que entrava na Roca. E a simples conclusão ao qual chego até o momento é a seguinte: além de todos os esforços para melhorar as condições de trabalho e para reconhecer o trabalhador por meio de um bom salário, de formação, e de oportunidades de crescimento e desenvolvimento na Empresa, é preciso tratá-lo como ser humano. Por mais óbvio que pareça dizer isso, infelizmente, quando o foco é o lucro, os processos e a produção, as máquinas pareciam receber mais atenção que as pessoas pelos engenheiros e administradores. E creio que isso ainda aconteça até hoje porque há pessoas com formação sem educação que quando sobem níveis hierárquicos em qualquer circunstância se esquecem do significado da humildade e da sensibilidade.

No meio daquele ruído ensurdecedor, daquelas máquinas, manipuladores e robôs, é preciso fazer notar a presença dos seres humanos que ali trabalham. É simplesmente dar-lhes um “bom dia” e desejar uma “boa tarde”, chamá-lo pelo nome e não pelo número, escutar os comentários que eles têm a fazer, as sugestões que eles têm a dar (e colocá-las em prática, se for viável), é preciso elogiá-los quando o trabalho é bem feito e explicar construtivamente quando precisa ser melhorado.

O terceiro motivo que fez desta oportunidade um grande desafio pra mim esteve relacionado a morar em Leiria, uma cidade onde apenas eu dentre os meus colegas de curso iria morar e onde não conhecia ninguém quando aqui cheguei. Apesar das dificuldades nas primeiras semanas, a tranquila Leiria se mostrou o local ideal para trabalhar. No entanto, se a sua vida cultural deixava a desejar aos meus padrões, por outro lado foi muito bom porque passei a viajar mais, a descobrir outras cidades portuguesas aqui por perto.

Esse contacto com a cultura portuguesa foi enaltecido pela convivência com os portugueses e portuguesas na Roca. Sempre que redigia um texto, um dos integrantes da equipa de RH relia-o por completo para verificar se existia alguma palavra ou expressão “à brasileira” que precisava ser alterada. E esta medida constante me lembrava diariamente das nossas diferenças.

A relação profissional (em comparação com a acadêmica) faz com que a gente mantenha uma distância maior com o outro, discuta menos essas diferenças ao observá-las e eu sentia que precisava fazer esse treino diariamente. Na execução do trabalho e nas conversas na hora do almoço, observava ideias e opiniões muito semelhantes às minhas, mas também ouvia histórias que confirmavam valores, crenças e estilos de vida muito divergentes dos meus.

Ademais, não podia esquecer dos pontos fracos e fortes do meu papel como estagiária. Um dos pontos fracos de estar ali de passagem é compreender que nem sempre a minha opinião merecia atenção. Mas estar de passagem também trouxe a mais-valia de poder realizar com sucesso a actividade que me foi proposta: avaliar várias dimensões do modelo de gestão que eles adoptam e apresentar críticas, se for necessário. Depois de apresentar os resultados aos colaboradores, no dia 13 de Julho em duas reuniões a quase 80 pessoas, muitos deles vieram comentar comigo que foi muito bom escutar a apreciação de alguém de fora sobre o que eles já sabiam e sentiam – mas que por trabalharem na empresa nunca seriam capazes de torná-las explícitas.

E a brasileira que veio de fora e de longe, que já passou e já está de saída pôde expressar os ganhos que a Gestão de Qualidade Total adotada pela Roca em Leiria desde 2002 trouxe até hoje e ainda pode trazer para as pessoas que estão ali dentro há 2, 5, 10, 20, 30 anos e que ainda estarão por longos anos. Finalizei no dia 16 de Julho mais uma experiência marcante deste Mestrado. E eu espero que a minha passagem pela Roca tenha sido tão rica pra Empresa como a passagem da Roca na minha vida foi pra mim.

22 de junho de 2010

Sou mestre. E agora?

No dia 21 de Junho de 2010, na sala dos Claustros da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, às 17:30h em Portugal (13:30h em Brasília), o presidente da mesa anunciou que fui aprovada como Mestre pela Universidade de Coimbra e de Barcelona. A dissertação foi avaliada como Excelente pelas arguentes e recebeu como nota a letra "A".

Sou mestre. E agora? Agora eu só quero agradecer. O sentimento de alegria se mistura com a gratidão e as lágrimas da menina-mulher-mestre alcançam o sorriso bobo de quem não consegue acreditar que aquele sonho tão esperado foi alcançado. Apesar de nós, alunos deste programa, sermos obrigados a escrever a dissertação em inglês, os agradecimentos têm formato livre. E só por meio do Português (do Brasil!) que eu me sinto totalmente à vontade, livre pra ser eu.

Agradecimentos

“Every exit is an entrance to somewhere else”

Tom Stoppard

O fim de uma carreira simboliza o início de uma nova etapa na vida daqueles que se aposentam. A conclusão desta dissertação de mestrado representa a minha entrada na vida acadêmica e profissional. Interessada pela vivência e estudo dos ciclos que todos nós enfrentamos ao longo da vida, finalizo este trabalho muito grata a todos aqueles que foram essenciais para a construção de uma investigação preliminar a respeito de um tema socialmente importante, complexo e que me despertou enorme interesse.

À Dra. Margarida Pedroso Lima, por ter aceito o desafio de orientar uma dissertação de uma aluna desconhecida sobre um tema que eu desconhecia. Começamos do zero e aprendemos muito juntas. Agradeço pelas lições sobre metodologia de pesquisa, qualidade de vida no trabalho e cuidado aos idosos. Mas especialmente, agradeço-te, Margarida, por ter me ensinado a me cobrar menos, me valorizar mais e a acreditar no meu trabalho.

À Dra. Concha Menéndez Montañes, pela orientação e suporte durante o período da mobilidade em Barcelona. Sou muito grata pelos ensinamentos sobre envelhecimento bem-sucedido, revisão sistemática da literatura e intervenção em psicologia do trabalho. A mensagem final desta dissertação é um belo poema que você me apresentou.

Aos Professores da Universidade de Coimbra e da Universidade de Barcelona, pelo acolhimento e pelos memoráveis momentos de aprendizado em sala e fora dela.

À Dra. Alice Oliveira, uma profissional eficiente e alegre, uma peça-chave para que tudo que acontece no Núcleo de Estudo e Formação em Gestão (NEFOG) dê certo.

Ao professor da Universidade Católica do Porto, Dr. António Fonseca, que disponibilizou o Inventário de Satisfação com a Reforma validado para a cultura portuguesa e que foi extremamente solícito durante todos os momentos que o procurei.

A toda equipa do Departamento de Recursos Humanos da Empresa onde os dados foram coletados, em especial ao seu Diretor, que abriu as portas para que eu pudesse realizar o estudo e se empenhou para que os procedimentos fossem realizados da melhor forma.

Aos Professores da Universidade de Brasília que mais contribuíram para que eu trilhasse meu caminho em direção ao sonho de um dia ser professora: Doutor Jairo Eduardo Borges-Andrade, Doutora Kátia Puente-Palacios e Doutor Mário César Ferreira. Pela forma como ensinam, participam como docentes Universitários e incentivam o crescimento dos seus alunos, eles se tornaram meus reais exemplos do que significa ser um bom Mestre.

Novamente à Doutora Kátia Elizabeth Puente-Palacios especialmente pelo auxílio com a análise dos dados deste estudo. Ela me mostrou que a estatística pode ser divertida, mas que é natural errar muitas vezes para passar a vê-la desta forma. Kátia, obrigada também pelo acolhimento em Valência e pelo constante apoio virtual, sempre tão real.

Às pesquisadoras sobre aposentadoria e planejamento de carreira, Dra. Nuria Tordera da Universidade de Valência e Dra. Lucia França da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO), professoras que encontrei durante a busca de artigos para a construção da revisão da literatura desta dissertação e que gentilmente enviaram publicações e se mostraram interessadas pela minha pesquisa.

À Dra. Teresa Sousa Machado e à Dra. Isabel Albuquerque, por aceitarem o convite como arguentes deste trabalho e contribuirem para a sua melhoria.

Àqueles que cruzaram meu caminho ao longo desses dois anos e se tornaram mais próximos. Pessoas com quem pude compartilhar momentos inesquecíveis em Coimbra, Leiria e Barcelona: Tânia Fachada, Filipa Rodrigues, Francisco Páez, Leonardo Santos, Eduardo Vital, Pedro Monteiro, Ana Teresa Fernandes, Ana Catarina Sá, Torgeir Halland, Natália Zuluaga, Liça Gilbert, Diana Moreno, Juliana Pantoja, Germana Queiroz, Yulimar Salazar, Cristina González, Laura Núñez, Sara Campo, José Martínez, Rosane Kist, Hilda Costa, Ekta Menghrajani, Sarvesh Dosooye e Sérgio Maria.

Ao fantástico quarteto de mulheres, Carine França, Sabrina Romero, Talita Pires e Juliana Duque. Mais que amigas, elas foram minha família durante estes dois anos. As conversas mais gostosas, os medos mais incômodos, as risadas mais altas, as quedas mais duras eu vivi e compartilhei com elas. Em Portugal ou na Espanha, no Brasil ou na Colômbia, sei que estaremos em contato. Esta é uma das poucas certezas que eu levo comigo agora.

Às minhas amigas e amigos de ontem e de hoje, pessoas que amo muito e que acompanharam vários ciclos da minha vida, inclusive este, mesmo à distância: Juliana Magalhães, Ester Carvalho, Érika Flenik, Rafaela Seidl, Luna Seidl, Hyrla Oliveira, Ana Luiza Alvim, Fernanda Carvalho, Taciana Meirelles, Fernanda Prazeres, Larissa Tomasi, Vanessa Brixi, Lílian Bertoldi, Rafaella Andrade, Fernanda Vieira, Rafael Dutra, Jana Koosah, Júlia Lagos, Nathália Oliveira, Ângela Ferreira, Rosemary Wargas, Liana Medeiros, Rosane Violin, Natasha Duarte, Maria Fernanda Briceño, Rodrigo Ferreira e todos do querido Grupo Cultura. Pra onde quer eu vá, levo vocês…

Ao meu solidário amigo Axell Nascimento que me ajudou com a busca de artigos científicos para a construção deste trabalho. Amigo, obrigada pelo suporte informacional e emocional, já que você também acompanhou meus altos e baixos muitas vezes nestes dois anos.

Aos meus avôs e avós (in memoriam), tios e tias, primos e primas das famílias Fleury Seidl e Fernandes de Oliveira que apóiam as minhas decisões, vibram com as minhas vitórias e me encorajam a seguir em frente. Não vejo a hora de encontrá-los, abraçá-los e comemorarmos juntos mais esta alegria.

Ao meu guerreiro e carinhoso pai, Arlindo Fernandes de Oliveira, com quem aprendi a ser ativa como filha, aluna, mulher, cidadã. A lutar por um mundo mais justo por meio das mais pequenas ações e a disfrutar os sabores da vida com muita vontade e humildade também. Pai, como sempre, sua generosidade e amor permitiram que eu alcançasse mais esse sonho.

À minha mãe, amiga e professora, Eliane Maria Fleury Seidl, que me despertou o amor pela psicologia, pelo ensino e pela pesquisa. Ela me encoraja a aprender sem ter medo de errar, a amar sem ter medo de sofrer. Momis, sua independência, otimismo e energia me impulsionam a me dedicar a tudo o que eu faço e a valorizar o lado positivo de cada experiência vivida.


Com todo meu amor,

pai, mãe, este trabalho é dedicado a vocês.

E a todos, um sincero muito obrigada!

10 de junho de 2010

Maria, João e Pessoa

Tive a oportunidade de conhecer Maria quando fui estagiária do Centro de Atendimento e Estudos Psicologicos da Universidade de Brasília (CAEP - UnB) no primeiros meses do ano de 2008. Eu era a terapeuta, ou melhor, a aprendiz (ou algo no meio, ou as duas coisas...) e ela era quem tinha o interesse em receber atendimento psicológico (algum psicólogx, por favor, como vocês chamam as pessoas que fazem terapia? porque paciente me lembra a relação médico-paciente - bleh!, cliente é capitalista demais, né?... e se vier chamar de doente, eu fico louca! nenhum de nós é completamente saudável ou completamente doente. se você acredita ser sano mentalmente, aproveite enquanto há tempo! eu já não acredito mais).

No meio de tanta confusão de quem éramos, as duas pessoas (assim fica melhor né?! ;) se encontravam todas as quartas-feiras de manhã. E durante 1 hora a Maria me contava como havia sido a sua semana passada. Os relatos de Maria envolviam sempre a sua relação com a filha, a relação que a filha tinha com o marido, o seu novo papel como avó, a despedida do trabalho, os medos da sua vida como aposentada e as enormes saudades da mãe e da irmã, que continuavam morando na sua cidade natal: João Pessoa.

Maria era uma mulher que transbordava energia. Se algumas pessoas demoravam para "aquecer", como os psicodramatistas dizem, Maria chegava "em ponto de bala" a cada encontro. Falava, falava, falava sem parar e a sua fala era entrecortada por gargalhas altas que não me faziam rir. Eu sentia que atrás daquelas risadas escandalosas havia uma dor que temia sair. Sua ansiedade era perceptível de muitas formas. Maria se sentava beeem na pontinha da cadeira. Eu estava pra ver o dia Maria iria cair dali! Ela parecia pronta pra agir, mas ainda não sabia como.

Nos fins-de-semana, Maria sempre cuidou da sua neta. Quando a filha queria sair com o marido, ou tinha algum problema pra resolver, ela ficava contente em poder cuidar da sua linda netinha. Só que quando Maria entrou na aposentadoria, a sua filha passou a pedir para Maria cuidar da neta com maior frequência. Era uma forma que a filha dela tinha de economizar e estar tranquila - "porque é difícil confiar nas babás de hoje em dia - né mãe"? Porém, apenas na terapia Maria tinha coragem de dizer que estava cansada. Ela optou por finalizar sua carreira para ter mais tempo para cuidar de si. Para permitir-se viver a vida que a outra vida nunca lhe permitiu viver. Só que por amar a filha e a neta imensuravelmente, Maria se sentia culpada em recusar a estar com a neta e negar ajudar à filha. Ao mesmo tempo, ela não entendia porque a família do pai não era mais presente, ela nunca entendeu porque a filha engravidou tão cedo, ela considerava sua filha imatura para ser mãe. Mas Maria também sentia que era o momento de voltar a reencontrar a sua mãe, que estava precisando de cuidados e de estar mais perto da irmã, que sofria de depressão. Os deveres e os desejos dos seus papéis brigavam dentro do coração de Maria. A cada sessão, pouco a pouco, aparecia a Maria assertiva, a Maria receosa, a Maria que pondera mas tem vontades e a Maria medrosa. Tentávamos encontrar naquele espaço qual o espaço Maria queria ocupar no mundo real.

Na ensolarada manhã seguinte de quarta-feira, achei estranho não ter visto Maria na sala-de-espera. "Ué, ela é sempre tão pontual..." Esperei 15 minutos, 30 minutos e guardei o protocolo dela. Não costumávamos esperar mais que isso. "Deve ter acontecido algum imprevisto, Maria deve ligar e se justificar". Três dias depois, Maria não tinha me ligado. "Talvez Maria apenas se esqueceu..." E na próxima quarta-feira eu tinha a certeza de que ela apareceria. Maria não apareceu nas próximas 2 sessões. Liguei inúmeras vezes no único número que Maria havia deixado e, em todas elas, deu desligado. Três faltas não justificáveis nesta Clínica-Escola desligam a pessoa do serviço, já que a lista de interessados é muito grande. Milhares de pensamentos rondaram e atordoaram esta pessoa que aqui vos escreve. "O que eu fiz a Maria? Onde foi que eu errei?" Nós sabemos que essas relações costumam ser assim: extremamente intensas mas prestes a terminar a qualquer momento. Mesmo assim, foi difícil lidar com essa partida. Em supervisão, comentei sobre este desligamento forçado com uma pessoa com quem o processo terapêutico vinha caminhando muito bem...

Na última semana de estágio, organizando meu relatório encontrei sem querer o e-mail de Maria. Não sabia se ela usava aquele e-mail ou não e nós nunca somos aconselhados a contactá-los desta forma. Apenas em último caso. Decidi escrever. E poucos dias depois, Maria me respondeu:

" -Juliana, eu estou em João Pessoa. Contei a milha filha que precisava rever a minha mãe, voltar a minha terra, sentir esse cheiro de mar e colocar os pés na areia. Ter a vida que eu queria, lembra? Abraços, Maria."


Ah, Maria... passaram-se dois anos e eu ainda me lembro. É neste exato instante em que me acomete uma série de dúvidas sobre o que quero fazer no meu futuro breve que as lembranças da nossa vivência e de muitas outras que tive a seguir se tornam mais presentes e fortalecem uma das poucas certezas que eu carrego comigo agora: onde quer que esteja, seja lá o que eu vá fazer, eu só me sinto realizada naqueles trabalhos que me permitem conviver direta e intensamente com Maria, João... Pessoas!

ps.: Por respeito à Maria, seu nome e história foram modificados.

15 de maio de 2010

Novidades básicas

Os últimos dois meses foram marcados por muitos acontecimentos. Assim que o curso de inverno terminou, eu e mais 4 brasileiros de diferentes regiões do país fomos até Santiago de Compostela de carro, um daqueles convites irrecusáveis que surgem quando você menos espera, sabe? Num dia de estudos como outro qualquer, a Sabrina chega perto de mim e comenta "- Vou passar 3 dias em Compostela com três amigos, tem 1 vaga no carro, quer vir?" Que bom que eu podia dizer sim! Rever este encanto de cidade com calma foi maravilhoso, melhor que isso foi viajar de carro. Admirando paisagens belíssimas, com direito a parada em Viana do Castelo, em Portugal, os 5 brasileiros cantaloravam músicas do Chico, Betânia, Jorge Ben, Arnaldo Antunes, Elza Soares, Alçeu Valença. E as duas principais conclusões da minha segunda visita a Santiago foram: preciso viajar mais de carro e preciso fazer o caminho a Compostela a pé. Descobri que há vários caminhos e um deles inclui passagens pelo campo e pela praia. Alguém me acompanha?

Daí veio a última disciplina do mestrado, que foi ministrada por uma brasileira, Prof. Mirlene Siqueira, da Universidade Metodista de São Paulo. E fui sentindo aos poucos que voltar a Portugal me deixou com mais saudades do Brasil... saudades que eu não senti quando cheguei em Setembro de 2008. De novo mais perto das amigas brasileiras, de novo escutando e falando português todos os dias, daí vieram as aulas da professora que fez doutorado na UnB, que comenta dos nossos Congressos, da nossa cultura, e chega pra mostrar que a gente também faz e faz bem feito. Ai ai...saudade. Mas já que não dava pra ir ao Brasil, fui a Itália. E logo que a disciplina terminou, lá estava eu de malas prontas. Merecidos seis dias em Roma com direito a participação em Congresso, apresentação de trabalho e um reencontro mais tranquilo e caloroso com a capital italiana. Outra sensação indescritivelmente boa é poder passar sem pressa por lugares já antes visitados durante a primavera quando se lembra do frio, da correria e do hostel fedorento que eu fiquei quando fui pela primeira vez... era outra Roma pra mim, e eu me senti outra nela também.

Cheguei de Roma e fui refazer a mala. E as roupas que sairam da bagagem não foram pro armário, mas para outra mala. Eu tinha dois dias para deixar tudo pronto para que o caminhão que iria levar a mudança dos meus amigos a Lisboa, fizesse a gentileza de deixar minhas roupas, livros, sapatos, aquecedor, lençol, travesseiro, e o Manuel no meio do caminho. Acho que vou sugerir ao Peiró, coordenador do Programa deste Mestrado, para escrever no site que entre as competências desenvolvidas ao longo do curso está o desapego. Ficou faltando essa. Em Coimbra, Barcelona e Pequim, pra levar um livro, um presente ou um casaco novo, teve que ficar a calça confortável (já rasgada, coitada!), as botas que me suportaram por tantos meses, o casaco que marcou aquela viagem... até aí, sem problemas. Nada disso que eu deixei eu sinto falta, na verdade. Até me esqueço do que ficou pra trás. O problema mesmo é deixar as pessoas. Não importa quantas vezes a experimentamos, parece que nunca aprendemos. Eu até sinto que tenho melhorado, consigo focalizar mais nos fantásticos momentos vividos e partir pra viver outros! Mas as lágrimas continuam a me escapar na despedida. A diferença é que agora eu espero a pessoa ir embora.

A chegada em Leiria foi marcada por sorte. Achei lugar pra morar rápido, com direito a apartamento bem equipado e cozinheiro de primeira. Essa história pra lá de engraçada vocês já sabem. Meu compañero de piso é solidário e divertido. Quando há tempo pra aprender a cozinhar, conhecer as cidades ao redor, visitar as amigas em Lisboa (fim de semana que vem tem Rock in Rio!!!), tá tudo ótimo, como mostram as fotos. Mas não há fotos dos momentos cansativos de excesso trabalho, das dificuldades encontradas no caminho, dos momentos sem companhia pra comentar como foi o dia, pra jantar ou fazer um passeio. No dia-a-dia não é tudo oba-oba. Também não posso reclamar porque eu quis morar numa cidade onde não conheço ninguém (hoje já tenho 2 colegas pra passear por aqui! =). É que a solidão aqui bate diferente que em Barcelona. Lá poderia não ter sempre uma companhia pros concertos, exposições e viagens que eu queria fazer, mas bom programa pra fazer sempre tem. Aqui, já não há companhia com frequência. E às vezes nem programa tem. Engraçado olhar pra trás e dizer: "Pô, enfrentar aquela solidão era fichinha né?" É, agora é mesmo. Os graus de dificuldades vão aumentando e nós vamos crescendo com eles. Então, as últimas semanas foram basicamente de muito trabalho no estágio e na dissertação, não havia mais tempo para mais nada além disso. Senti que os meus prazeres foram reduzidos a suprir minhas necessidades básicas. Dormir, tomar banho, comer e ir ao banheiro representavam as minhas pausas e as minhas delícias enquanto finalizava o próximo prazo, trabalhava de segunda a sexta e lia e escrevia de segunda a segunda.

Mas neste exato momento faltam apenas 5 diazinhos pra enviar a minha filha, vulgo dissertação, aos arguentes da banca. E pra recarregar as energias hoje eu fiz uma pausa diferente. Fui conhecer o famoso medieval Castelo de Leiria, erguido no cimo de um penhasco que o faz ser visto de muitos pontos da cidade. E lá eu descobri que caminhar, enxergar e respirar é incrivelmente bom! E ao que tudo indica eu não preciso de muito mais que o básico pra ser feliz...

12 de março de 2010

Mistura na Winter

A Winter School (WS) representa o que há de diferente deste mestrado. Todo o mestrado tem disciplinas, tem dissertação pra escrever e tem estágio – seja ele académico, como lecionar uma disciplina (como acontece na UnB e acredito que em quase todas as Universidades brasileiras) ou prático, como trabalhar numa organização (como acontece no mestrado Erasmus Mundus). Nos mestrados Erasmus Mundus ainda temos a vantagem de conhecer pessoas que vieram dos mais variados cantos do planeta (mais do lado Ocidental, na verdade…). A WS é o momento onde todos os alunos europeus e não europeus (na nossa edição somos 34) espalhados entre as 5 Universidade do Latin cluster europeu (Coimbra, Barcelona, Valência, Bologna e Paris V) se misturam.

É como se bacalhau à bras, paella, risoto, cassoulet, feijoada, ajiaco e guacamole fossem servidos na mesma mesa. E todos tivessem que provar um pouquinho. Agora imagine se além de tudo isso viesse um rib steak pra arrematar o jantar? Pois é, se não bastasse todo mix de gente que faz parte do programa, o WOP-P sempre tenta se associar a alguma Universidade de fora do European latin cluster para apimentar a mistura. Neste ano, a San José State University presenteou a nossa WS com mais 8 alunos ao grupo de 34: totalizando 42 mestrandos. Quando decidi promover uma enquete para averiguar quantos desses 8 estudantes nasceram nas terras do tio Sam, descobri que seis alunos que moram e vieram representar o país liderado pelo aclamado e criticado Obama nasceram na India, Paquistão, México, Portugal e por aí vai… E dos 42 alunos que participaram da WS 2010, a minha enquete identificou 12 nacionalidades diferentes. Definitavemente a WS concretiza um dos aspectos que me fez sonhar sair do Brasil: conviver com a diversidade!

Em cada ano, a WS acontece numa cidade diferente do consórcio. Já foi em Bertinoro (representando Bologna), em Barcelona no ano passado e esse ano foi em… Coíiimbra! Quando eu soube que ela seria realizada aqui, minha primeira manifestaçaõ foi: “Ah não, que azar! Queria que fossem em Paris ou em Valência, pra poder conhecer melhor as cidades e as Universidades daquelas cidades onde passei, mas não estudei…” No meu discurso e imaginário daquele tempo não fui capaz de me dar conta de que aqui posso ser anfitriã. Talvez porque há muitos portugueses na turma e é claro que eu não conheço Coimbra tão bem quando eles (ó pá, longe de mim!) Mas a verdade é que uma mistura enorme de bons sentimentos me tomou conta quando me vi apresentando a Universidade de Coimbra, guiando até as cantinas, sugerindo um bom café, contando histórias que vivi naquelas ladeiras, mostrando minha nova morada! Emoção foi o tempero que dominou minha experiência ao apresentar essa doce cidade portuguesa a norte-americanos, franceses, espanhóis... Especialmente porque havia acabado de colocar os pés na cidade e a mão na massa. Todos sabem que fiquei em Barcelona até o último minuto. Cheguei em Coimbra um dia antes de começar a WS apenas pra ter tempo de desfazer as malas e comprar o café da manhã do dia seguinte. Ainda de ressaca das claras e cavas, minha chegada em Coimbra quase um ano depois tem sido uma boa pedida…

Os 42 alunos foram divididos em grupos de 4, 5 alunos que deveriam realizar uma infinidade de trabalhos relacionados a Psicologia dos Recursos Humanos. O meu grupo foi composto de duas brasileiras (eu e mais uma colega de Fortaleza que estuda em Valência), um africano (Ilha Maurício) que estuda em Paris e uma indiana que mora nos EUA desde os 15 anos e se considera tão estadunidense como indiana. Por respeito a eles não escreverei aqui sobre suas qualidades, o que fazem, como vivem. Mas deixo apenas uma pitada de idéia: é muito intrigante conviver com pessoas com trajetórias de vida tão divergentes da sua...

A Winter é composta por uma fase virtual e outra presencial. De novembro do ano passado a fevereiro desse ano trabalhamos virtualmente. Email, Skype e Gtalk foram nossas ferramentas de comunicação. E tínhamos que nos adaptar não apenas aos compromissos e rotinas de cada um, mas ao fuso que separa Espanha, França e EUA. A nossa empolgação do primeiro dia que nos vimos ao vivo em Coimbra foi inesquecível. E juntos tivemos duas semanas intensas de trabalho para terminar todos os projetos solicitados. Como na vida real de toda e qualquer organização, tive a oportunidade de trabalhar numa equipe que eu não escolhi, cujos membros nunca havia visto e que não sei quando os verei novamente.

Níveis de inglês diferenciados, sotaques também. Juntando isso ao fato de que a tecnologia nem sempre está a nosso favor, as nossas primeiras conversas via Skype tinham mais: "- Can you repeat, please? I can't listen to you!" do que conteúdo. Formas de trabalhar distintas, culturas também. Agir e cumprir prazos respeitando tudo isso. Eficiência, efetividade e eficácia começam a ter outro significado quando a equipe é diversa. Tem gente que enche o power point de texto, tem gente que quer que apenas tópicos e figuras. Alguns preferem entrar num consenso antes de começar a produzir, outros começam a produzir sem nem perguntar se um dos membros concorda. Alguns acham que fazer o que professor pede é mais que suficiente, outros querem ir além, muito mais além. Eu posso trabalhar de madrugada, tem gente que não. Eu não perco a hora do almoço e do jantar pra trabalhar, tem gente que sim. Como conciliar?

No final, a conclusão a qual cheguei é que manter a boa relação entre os membros do grupo representa o tempero mais importante para tornar essa mistura fina. Por conversas que tive com outros colegas, observamos que são poucos os que estão dispostos a ceder para manter as boas relações entre os colegas. E mais, sabemos que a diversidade gera conflito naturalmente e que para a resolução de problemas complexos esses conflitos são enriquecedores porque fomentam a criatividade e a inovação. Mas eu ainda defendo que o segredo da receita para chegar ao fim com trabalhos entregues e uma rede de contatos marcada por respeito e confiança, todos necessitam ceder alguma vez para que o jeito e as opniões de cada um sejam consideradas pelo menos algumas vezes para que todos percebam que agregaram seu toque pessoal ao prato principal.

Dessa experiência, espero levar para minha prática profissional muito conhecimento sobre ética e justiça no trabalho, promoção da diversidade nas equipes, gestão de conflitos e liderança carismática e transformacional. Da vivência com toda essa mistura de gente, jeito, cultura e cor, me sinto hoje mais brasileira, mais apaixonada e saudosa pela minha terra, música, povo e calor. Mas sigo sonhando por um mundo onde a diversidade não seja vista apenas como um fato, como resultado da globalização, mas como fruto dela e que impulsiona a geração de novas idéias, a valoração do ser e agir diferente e a construção de vínculos, laços e relações cheios de sabor.

19 de fevereiro de 2010

Adiós, Barcelona.

Tu me permitiste vivir con mucha intensidad. Imaginaba que esta intensidad no resistiría al tiempo. Y que la monotonía de aquellos que habitan una ciudad siempre les acometen. Ahora quisiera yo que el tiempo parase para no tener que dejarte... Me imaginé construyendo una vida en ti muchísimas veces mientras caminaba para el metro, hacía compras en el mercado y miraba los niños jugando por las plazas de Gràcia. Compartí tu magia en pensamiento con todos los que amo. He soñado tanto en tus brazos, Barcelona...

En ti, fue la primera vez que viví con personas de otras culturas. Fue la primera vez que viví con más de una persona. Descubrí que me encanta vivir con la casa llena. La hija única que siempre tuvo mucho espacio solo para ella, ahora quiere dividir todo el poco espacio que tiene con muchos el día entero, todos los días. Puede ser una fase... muchos me dijeron. Si así es, la estoy aprovechando. Y si cuando llegué en esta habitación pequeños detalles me molestaban, ah.... ahora no más! "- Há tanta vida lá fora!"

En ti, más precisamente en la calle Puigmartí 44, conviví con la pareja de Vigo. Conocí la seguridad de Sara. Y si en su forma de hablar, caminar y defender sus opiniones está su fuerza, es cuando cierra la puerta del cuarto e empieza a tocar el violino, que su sensibilidad se expande por toda la casa y la toma cuenta. De Sara quiero llevar esta firmeza, esta capacidad de caminar siempre de cabeza erguida pase lo que pase.

Tuve también la oportunidad de conocer su novio, el baterista de la banda Manos de Topo, Rafael. Rafa asobina mientras trabaja, baila mientras pasa por el pasillo, canta mientras cocina y toca mientras come. De Rafa quiero llevar esta alegría musicada que tranquilizó estas 3 mujeres durante todo este año. Y de la convivencia con ellos, como pareja, llevo la importancia de respectar el espacio del otro bien como las fortalezas de una vida compartida. Rafa también me permitió conocer a Muxi, el gato con actitudes de perros. Y si cuando llegó en le piso no quería que la pequeña fiera entrara en mi cuarto, hace tiempo ya lo dejo dormir en mi cama todo el día, le doy besos y abrazos, y le extrañaré mucho...

De Natália, la colombiana de Armenia, quiero poner en la maleta su libertad sin tamaño. Me acuerdo que Nat odiaba caminar de metro: "Así no se ve la ciudad, uno no se sabe dónde estás!" A Nat le gusta la bicicleta, el viento en el pelo, enfrentar el inesperado, vivir la oportunidad sin miedo. Ahora ella está feliz y tranquila en su ciudad, pero siempre estuvo en Barcelona como si ahí se fuera quedar, se entregando al trabajo, amigos, paseos, viajes... al presente. Aprovechó cada minuto sin rechazar las curvas que aparecieron en su camino.

En el mismo piso también conocí y sentí la energía de Juliana Duque. Juli apareció para me enseñar español. Fue la primera cosa que me dijo cuando llegó y notó que yo todavía hablaba en inglés con los compañeros de piso. "Aiiii no, Ju, hay que empezar a hablar español ya!" Gracias a la paciencia de la colombiana de Bogotá soy capaz de escribir este texto sin pensar. Chévere, chistoso, mamona, chiquito, queriiiida, churro son expresiones que llevaré conmigo. Y ligada a cada expresión, me acuerdo de una buena historia. Pero además de mi profesora particular de español, la chica que tiene el mismo nombre, hace el mismo Máster y vivió en el mismo piso que yo me hizo aprender mucho con nuestras diferenzas. La practica y enérgica Juliana me mostró el peso de mi cobranza conmigo misma. Ella me enseño a retirar toda la importancia que daba a lo que no merece. Optimismo, energía, apoyo, escucha y una amistad para toda la vida es lo que quiero llevar de Juli.

De las amigas colombianas de Juli, Ana y Pao, y de mis compañeros del Máster: Diana, José, Cris González, Juli Pantoja, Yuli, Laura, Sara, Orlando, Germana, Fran y Manuel, llevo un mar de buenas memorias, entre rumbas, cenas colombianas, italianas, venezolanas y españolas, mucha solidariedad, respecto y cariño. Mejor dicho, llevo el sabor de estar en familia y la seguridad de que estos son los mejores ingredientes para construir y se sentir parte de - una familia.

No solo me despido de ti, pequeña. La pequeña que tiene todo lo que me gusta en las grand ciudades. Una vida cultural que no nos permite planear porque se puede encontrar un concierto buenísimo mientras se busca por otro. Fui sorprendida por tus calles muchas veces y tu siempre nos deja el sentimiento de que hay más cosas que hacer, que ver y que yo podría ter hecho y aprovechado más... quizá por esto me gustaría volver. Tus curvas, colores, playas y parques me llevaran a apreciar la vida despacio mientras sentía que el tiempo volaba... Me despido no solo de ti, querida. Pero de una etapa en mi vida. Una etapa dónde pude descubrir qué aspectos de una ciudad agregan calidad de vida a mi vida y cuáles quiero que sigan haciendo parte de ella a largo plazo.

En estos días intensos entre compañías increíbles y momentos de soledad, siento que aprendí a valorar quien se preocupa conmigo y a saber relacionarme con quien solamente quiere aprovechar el momento y ya. Tu me permitiste conocer a tanta gente... perdí la cuenta de cuantas personas conocí. Hoy cuento en los dedos los pocos que quiero seguir en contacto. Hay tantas historias para contar sobre lo que enfrenté en tus brazos, pero ya me siento tan nostálgica, siento un vacío tan grande en el pecho que no quiero seguir escribiendo. Quiero aprovechar las últimas horas que tengo en ti... además, siento que en este espacio que alcanza a todo el mundo no hay espacio para mis dolores más fuertes tampoco los más sabrosos momentos...

No me importa. Los mejores recuerdos siempre sabrán yo y tu: Barcelona.

24 de janeiro de 2010

O que Beijing deixou em mim?

Quando cheguei em Beijing, só sabia falar 3 palavras em mandarim: nihao! = olá!, xièxiè = obrigada e zài jiàn = tchau. Com o passar dos dias, escutei muitas palavras, mas só aprendi e utilizei mais 3 expressões: wudaokou, qing huá dà xué dóng bei mén e dui.

Calma, vou explicar. Wudaokou é o nome da região mais próxima aos dormitórios onde a Fê estava morando. E onde tem o metrô mais perto também. Então, seja para pegar o metrô, para ir ao shopping, restaurantes, bares, lojas tínhamos que ir de taxi dos dormitórios até wudaokou. Se não fosse taxi, teria que ser bicicleta. Naquele frio??? Alugar uma bicicleta velha pra pegar um frio absuuurdo que congelava minhas enormes bochechas?! Não, obrigada. Passeio de bicicleta elétrica eu aceitei. Mas as que tinham pra alugar eram inacreditavelmente velhas. Até banco remendado eu vi. Gastava 10 míseros yuans ou 1€ para ir dos dorms (apelido carinhoso) até wudaokou de taxi. E como não é uma palavra difícil de dizer, entrava no taxi e dizia assertiva: nihao! iudaôkou (vem, repete comigo ;) E pronto. Caso eu quisesse ir de taxi para algum lugar mais longe, aí tinha que levar o guia do lonely planet comigo (muito bom, diga-se de passagem e pra quem vai ficar mais tempo também =), olhava pro taxista, apontava o nome do local escrito em chinês e voltava o olhar pra ele pra ver se ele demonstrava ter entendido. Como os lugares que fui sozinha eram turísticos, sem problemas, eles entendiam e me levavam.

Teve apenas uma vez que eu fiquei preocupada. Queria ir ao Dashanzi Art District, onde está a antiga fábrica 798 que agora virou um espaço para exposições e galerias de arte. A Fê tinha coisas pra resolver pela manhã, e então, lá fui eu logo cedo. Entrei no taxi, saludei o básico nihao e apontei pro endereço. Ele parecia ter entendido. Mas eu senti que não estava confiante. Pelo retrovisor, o observava... ele franzia a testa de vez em quando. Quando as coisas estão mais pra mal que pra bem, parece que o nosso feeling realmente funciona. A Fê tinha dito que esse local era longinho e que ia me custar entre 45 e 55 yuans. Quando o marcador mostrou 60, eu começei a suar frio. Pronto, o cara tá me levando pra ondeeee??? O que eu vou fazer??? Gritar socoooooorro??? Baaaahhh fiquem tranquilos, isso é só charminho pra deixar os leitores mais atentos. =P Tava de boaaa, como dizem lá na minha terra. Tinha o celular da Fê comigo e ela ficava em contato com um amigo dela que também morava nos dorms. Então, qualquer coisa, ligava pra ele e falava com ela. Mas que nada! Sai da minha frente que eu quero enfrentar as adversidades sozinha, agora ninguém me segura! Tava ansiosa pra ver no que no que aquilo ia dar... O motorista estava mesmo perdido. Parou o taxi e foi pedir informação pro primeiro cara que viu na calçada. Fiquei observando a conversa sem entender absolutamente nada. Depois, engraçado... só de ver a expressão do taxista quando caminhava da calçada até o taxi eu já sabia que ele finalmente sabia como chegar lá. Do retrovisor, via agora um olhar confiante, mãos no volante y ya! Here we are! O trajeto me custou um pouco mais caro né? Se soubesse algumas palavras mais, teria feito uma brincadeirinha, pedia um desconto ou algo. O que fiz mesmo foi entregar o dinheiro, retribuir com um olhar de alívio e me despedir: xièxiè.

Mas e pra voltar pra casa? Mesmo que eu estivesse chegado a wudaokou de metrô, saaame thing: tinha que ir de taxi de wudaokou até os dorms. Pra não ter erro e estresse, a Fê havia deixado comigo o cartão com o endereço e mapinha do prédio onde morava. Maaaaas, eu achava simplesmente o máximo tentar dizer o endereço. Já tinha pedido a Fê para praticar comigo algumas vezes. E o que se escreve assim: qing huá dà xué dóng bei mén, se diz mais ou menos assim tchín tchá dá xuê dông bêing mã! e significa prédio Zijing número 22 da universidade Tsinghua. Então, o plano que eu estabeleci comigo mesma era o seguinte: primeiro dizia o que havia treinado. Se ele fizesse cara de "heeeeein???", aí eu mostrava o cartão. Vocês não imaginam o orgulho que me tomava conta quando eu percebia que o taxista entendia o que eu havia dito sem ter que mostrar o cartão! Se depois que eu disesse a assombrosa expressão, ele fizesse um movimento assertivo com a cabeça e arrancasse, eu vibrava e dava um grito mudo pra celebrar! =D

Incrível como é bom se fazer entender. E pra quem trabalha na área de Recursos Humanos, se há um aspecto que sempre há de ser aperfeiçoado é o sistema de comunicação. Quantos procedimentos não se repetem porque a informação ainda não chegou. A falha no processo comunicativo e a burocracia são veeelhas amigas. Andam juntas desde a Revolução Industrial. E se o que é resolvido pelo chefe não chega aos demais membros da equipe, o sentimento de injustiça pode gerar desmotivação e afetar as metas, prazos e resultados. E nem precisamos dos exemplos de grandes empresas. Quantos casais não brigam porque "eu havia ditooo que...!!!" E do outro lado: "mas eu havia entendido que...". Ahhh e poucas coisas me dão mais raiva do que ir a Universidade para encontrar minha orientadora de mestrado e escutar ela dizer exatamente o que havia dito na reunião passada ou, simplesmente, o oposto. No primeiro caso, fico me perguntando do metrô até em casa: "Pra que eu fui até a Universidade???" No segundo caso, me pergunto no mesmo trajeto: "Afinal, que diabos essa mulher quer???"

Como pode então alguém passear por uma cidade um dia inteiro e se comunicar eficazmente sabendo falar 6 expressões? Sim, é possível. Todos nós utilizamos uma linguagem de maneira instintiva e inconsciente que se chama linguagem não-verbal. Essa linguagem serve para reforçar o que transmitimos com as palavras. Mas o seu poder é tão grande que ela pode substituí-las. Quando chegávamos a um restaurante, mostravámos o número com os dedos ou apontávamos pra nós mesmos para que a garçonete entendesse "Mesa pra... 2, 3, 4". Para pedir os pratos, bastava apontar pro que achávamos que poderia ser saboroso. E nessas horas o dui ajudava muito. O dui (vem comigo de novo: dúê ;) significa ok!, certo!, isso mesmo!, that's right! Pra não ter erro no pedido, depois que apontávamos todos os pratos pra ela no cardápio, ela anotava e depois voltava o olhar pra gente e apontava para todos os pratos - um - por - um de novo enquanto a gente ia respondendo: dui, dui, dui até que ela estivesse segura de que, de fato, estava tudo dui!


Uma viagem nos traz tantos aprendizados, lembranças, vontades, imagens, desejos, algumas vezes até amizades e muita saudade... Beijing me trouxe tudo isso. E me mostrou, em todos os dias que eu lá estive, a importância de nos conscientizarmos e de estarmos mais atentos a nossa linguagem corporal. Será que os meus gestos e expressões, a minha aparência, postura, o modo como eu caminho, o tom e volume da minha voz estão de acordo com o que eu quero transmitir? Nós sabemos que a linguagem corporal muda de contexto pra contexto e de cultura pra cultura. Mas cada um de nós tem os seus gestos e expressões próprios, que nos caracterizam e nos ajudam a nos comunicar melhor.

Beijing me deixou uma vontade grande de fazer maior e melhor uso das mensagens que expressamos com um toque, com os movimentos das mãos, com um sorriso, com o balanço das pernas, com as formas do corpo, com o carinho de um abraço e com a força do silêncio. Beijing me convidou a viver mais aquela velha e conhecida frase-clichê que é pura verdade: Um olhar vale muito mais que mil palavras.

More than words is all you have to do to make it real.

15 de janeiro de 2010

Beijing à primeira vista...

E foi numa terça-feira chuvosa em Barcelona que eu acordei, tomei um banho e fui pro aeroporto. Nem fome eu tinha. Queria chegar logo. Nada de duas horas antes, queria chegar três horas antes, queria chegar o quanto antes. Depois do check in feito e o cartão de embarque em mãos, aí sim fui ter a minha primeira refeição do dia. Manuel sempre ao meu lado, ele é o único hipopótamo lilás do planeta Terra que já esteve na América Latina, Europa e Ásia! O único problema dele é nunca discordar das minhas opiniões...
Coloquei os fones de ouvido, mas deixei o Ipod desligado. Quando estou sozinha, gosto de fazer assim. Seja pra me concentrar melhor ao ler um livro ou pra prestar atenção ao que se passa ao meu redor. As pessoas pensam que estou concentrada nas músicas enquanto, na verdade, eu presto atenção na conversa delas. Um casal de espanhóis tenta fazer os dois filhos comerem o que resta no prato. Depois começam a discutir entre eles na frente dos filhos. Quase que eu pedi pro Manuel ir lá, distraí-las enquanto os pais pareciam fazer questão de cada um dizer uma coisa pra deixá-las ainda mais aflitas e choramingonas. Com raiva daquele casal, fui logo pro portão de embarque. Comprei uma barra de chocolate ao leite e continuei a ler um artigo sobre o impacto da globalização na China. O artigo defende que o lado negro da globalização tem se tornado cada vez mais claro aos países em desenvolvimento desde o grande abalo financeiro mundial. Mas se a previsão de crescimento do PIB chinês em 2010 é de 9,5%, onde está a crise para a gigante RPC?

Gigante. Entrei no aeroporto gigante de Beijing e fui logo buscar um banheiro. A globalização tem feito com que determinados locais disponibilizem também o vaso sanitário ocidental, mas não são a maioria. Por outro lado, a maioria dos banheiros têm porta, mas de que adianta uma porta se a cultura da falta de privacidade permanece? Entrei no banheiro e vi uma mulher sentada de cócoras com as pernas e a porta abertas. Levei um susto e automaticamente pedi desculpas. Ela não deve ter entendido nada, estava apenas conversando com uma amiga enquanto fazia as suas necessidades. Quando o assunto é cultura, certo e errado são palavras que perdem seu valor. As chinesas dizem que o banheiro delas é mais higiênico que o nosso porque não sentam no vaso. Bem, nós também não sentamos naqueles que não sejam o da nossa própria casa. Difícil foi eu me acostumar... Nem sempre a minha mira funcionava muito bem e teve uma vez que só depois que eu já estava terminando, vi meu xixi atravessando a porta... Me vesti correndo, dei um pulo pra desviar da água que saiu do meu próprio ser e nem sequer olhei pras pessoas de tanta vergonha. Depois de pisar em xixi e sair sem lavar as mãos, eu ainda não entendia como aquele banheiro poderia ser mais higiênico que o nosso. Talvez deveria ter deixado a porta aberta também... pelo menos assim, estaria mais atenta.

Gostaria de dizer que não gosto de generalizações... então, não estou dizendo que os chineses não tomam banho ou dão menos importância a higiene pessoal que nós, ok? Mas o fato é que tanto no vôo Estambul-Beijing como no regresso, a região onde os chineses sentaram fedia a chulé. E digo a região mesmo porque nos dois vôos eles eram colocados juntos, nos últimos assentos do avião. Na ida, nem havia me dado conta disso e passei as intermináveis 9 horas ao lado de um deles. Achava que o cheiro advinha dessa pessoa em específico e nem me atrevi a tentar mudar de lugar porque o vôo estava cheio. Mas na volta, me colocaram mais na frente e quando decidi caminhar pelo avião para esticar as pernas, senti aquele mesmo cheiro da vinda quando passei pelas poltronas do fundão... e aí, as coisas pareceram fazer sentido. E eu não senti mal cheiro quando conheci chineses nos bares, quando passei por eles nos templos... nem no metrô senti um cheiro tão forte como no avião.

Mas se for pra falar do hábito que me incomodou mais, foi o de expelir saliva ao meio ambiente. E não pelo cuspe em si porque já vi muita gente cuspindo pelo mundo afora. Só que o meu cérebro só recebia a informação "cuspe no chão" se eu tivesse a infelicidade de ver este alguém cuspindo. Na China, parece que eles fazem questão de avisar: "Olha o cuspe chegando aó genteee!" porque emitem um barulho estrondoso antes de atirar. Então, mesmo que a pessoa não esteja ao alcance dos seus olhos, você vai escutar e imaginar o que vem por aí...!

Também não me esqueço do susto que levei quando limpei o salão (nossa, expressão típica da minha mãe essa!) no meu primeiro banho em Beijing. Eu fiquei olhando, olhando a minha meleca cor de carvão por 5 minutos! Não conseguia acreditar que ela pudesse ter aquela cor... A verdade é que a poluição de Beijing é facil de se ver e sentir. Ela faz com que o Sol pareça a Lua porque durante o dia o que via era uma bola laranja ao invés do clarão que se espalha pela atmosfera. Os raios solares são bloqueados por fumaça e pó. E se quando cheguei por lá pensei que havia tido o azar de me deparar com um dia nublado de inverno, percebi ao longo dos dias que nublada é a cidade de Beijing: seja com sol, chuva, neblina ou neve. Mais que isso, se ler nos noticiários deste lado do mundo que Copenhague representou o fracasso da gestão da ONU, foi em Beijing que todas essas críticas tiveram outro significado pra mim. Senti na pele o drama da impotência dos organizadores por não conseguir conciliar as exigências dos 193 países e agora levanto a bandeira com mais força ao dizer que o dragão chinês necessita de ajuda a curto prazo para diminuir a emissão de poluentes.

Muitas pessoas comentaram comigo que deveria levar a mala vazia pra China. Ahhh por que lá deve ser o paraíso das compras! Se aquilo ali é o paraíso, eu definitavemente prefiro ir pro inferno. Ou quem sabe trabalhar mais pra poder continuar comprando numa loja normal e não ter que barganhar tanto... No Silk Market, ou Mercado de Seda, time means saving money! Definetly! Quanto mais tempo você tem pra barganhar com as chinesas, mais barato o produto sai. Um produto que a princípio é ofertado por 900 yuans pode sair, após 5 minutos de conversa, 500 yuans. Após 30 minutos: 200 yuans. E foi assim com as botas de inverno que comprei com minha companheira de viagem, Sylvia. A chinesa disse que os dois pares sairiam por 1800 yuans, eu sugeri 1000 e ela aceitou. Eu já estava com os 500 yuans em mãos, feliz de ter conseguido o descontão e a Sylvia olhou pra mim e disse: "- Ju, você não sabe comprar na China... tá louca? Precisamos baixar mais!!!", até que ela alcançou o valor de 225 yuans por cada par e eu saí boquiaberta por ter pago 22,50€ pelas botas que salvaram meus dedões do pé do congelamento...
Além de cansativo, eu me segurava pra não rir durante a compra. Como o inglês de muitas vendedoras ainda é fraco, elas respondiam muitas frases feitas. Observe o diálogo entre eu e a vendedora para comprar uma carteira.

- I'd like this red wallet. How much does it cost?
E então, ela marca na calculadora e me mostra: 80 (yuans).
Eu faço cara de reprovação, apago os 80 e marco 60 na calculadora.
Ela olha pra mim com cara de choro e diz: - You're breaking my heaaaart!!!
Eu me seguro pra não rir e respondo: - I wanna be your friend, honey! Why would I break your heart??? Com cara de Kate Winslet vendo o Leo di Caprio partir... - Do you wanna be my friend? Let's make a deal, disse eu assertiva já me achando uma expert em compras na China.
Ela marca 70 e eu agora marco 50. Ela agora faz cara de brava e diz: - Are you kidding me? This is good leather, look girl, good leather!!! Então, ela faz cara de quem comeu e não gostou e busca um isqueiro e o acende na minha frente, passando o fogo pela carteira pra me impressionar... Eu digo pra ela que não tenho 70, só 50.
Aí ela pergunta: - Do you have a boyfriend? You're so pretty, ask your boyfriend more money.
- No no no boyfriend! I've 50 yuans and I've to go now. Byeee!!!
Eu vou saindo e a chinesa me puxa pelo braço e diz - Ok, ok! You're my friend. I can make this offer for you... Levei minha carteira por 5€ e ainda teve gente que disse que fui mole. Podia ter conseguido por três...

A visita ao Mercado de Seda me fez refletir sobre o valor e a veracidade das coisas. Afinal, será mesmo que eu comprei uma carteira de couro? E a mão de obra delas, quanto vale? E a hora de trabalho das vendedoras, tem preço? Quanto vale o tempo que eu disponibilizo pra baixar o preço de um produto? Não seria mais rico estar caminhando pelas ruas de Beijing? E será que vale a pena comprar aquele produto simplesmente porque é barato? Não mesmo. Mais uma vez e especialmente desta vez me senti uma idiota perdendo meu tempo fazendo compras. Comprei duas botas, dois casacos e uma carteira. E mesmo só tendo comprado o que precisava, meus tico e teco poderiam ter sido melhor aproveitados nesses minutos...

Quando quis comprar uma saia, fui num shopping mesmo, ao U-Center. Ahhh estava feliz e contente que não tinha nenhuma chinesa me tocando e gritando pelos corredores como no Silk Market. Escolhi uma saia e pedi meu tamanho a vendedora: M. Ela trouxe o M e não passou do joelho. Bem, vai que é o modelo, né? Pedi logo a L. Só que a Large não passou do quadril. E pela primeira vez na minha vida comprei uma roupa Extra Large. Tudo bem que de fato preciso baixar uns 3, 4 kilinhos, mas comprar roupa com o padrão chinês pode gerar depressão... saí da loja com fome e quase arrisquei uma salada de polvo. É... o que a economia, prédios, estradas, templos e dagrões têm de grande na China, os chineses têm de pequenos. Não tem como comparar a estrutura das brasileironas com o corpo das chinesinhas. Comi noodles mesmo, oras, tinha fome!

Falando em comida, eu perdi as contas de quantas vezes me perguntaram se eu comi cachorro em Pequim. Vou responder igual a Fê: - Pode ser que tenha comido e não saiba... Como a maioria dos cardápios estão escritos apenas em chinês o que nos ajudava a fazer o pedido eram as fotos. Mas, mesmo assim, em 50% das vezes, eu não conseguia identificar os ingredientes nem na foto e nem depois de ver-los e degustar-los! O que posso dizer é que a comida é sim diferente da chinesa que comemos no Brasil, Portugal e Espanha. Muitos dos pratos são apimentados e como a escolha era sempre no chute, o agrado também vinha com a sorte. Às vezes achava delicioso! Outras vezes não conseguia terminar. Provei ao máximo a gastronomia chinesa e coreana, que representavam uma novidade pra mim, mas também comi pizza, salada, cheescake, burritos e sushis. Até padaria francesa já tem por lá... mas eu deixo aqui a minha opnião: não chega aos pés de uma padaria francesa de verdade... de qualquer forma, imitar é o forte deles! E cada dia que passa, há mais imitação do mundo todo por lá.

Este post traz o que vi, vivi e provei em Beijing das 17h do dia 23 de Dezembro às 15h do dia 24. Fique tranquilo: não farei um post para os 15 dias! Infelizmente, não tenho tempo pra isso. Queria apenas que vocês sentissem um pouco quantas coisas me chamaram atenção em tão pouco tempo...
No próximo post, há que trazer o conteúdo menos perceptível, menos visível. Há que se falar de política, de crenças e valores, de linguagem verbal e não-verbal, de arte e sentimentos. E, claro, de quem os carrega e os faz existir: o povo chinês.