15 de janeiro de 2010

Beijing à primeira vista...

E foi numa terça-feira chuvosa em Barcelona que eu acordei, tomei um banho e fui pro aeroporto. Nem fome eu tinha. Queria chegar logo. Nada de duas horas antes, queria chegar três horas antes, queria chegar o quanto antes. Depois do check in feito e o cartão de embarque em mãos, aí sim fui ter a minha primeira refeição do dia. Manuel sempre ao meu lado, ele é o único hipopótamo lilás do planeta Terra que já esteve na América Latina, Europa e Ásia! O único problema dele é nunca discordar das minhas opiniões...
Coloquei os fones de ouvido, mas deixei o Ipod desligado. Quando estou sozinha, gosto de fazer assim. Seja pra me concentrar melhor ao ler um livro ou pra prestar atenção ao que se passa ao meu redor. As pessoas pensam que estou concentrada nas músicas enquanto, na verdade, eu presto atenção na conversa delas. Um casal de espanhóis tenta fazer os dois filhos comerem o que resta no prato. Depois começam a discutir entre eles na frente dos filhos. Quase que eu pedi pro Manuel ir lá, distraí-las enquanto os pais pareciam fazer questão de cada um dizer uma coisa pra deixá-las ainda mais aflitas e choramingonas. Com raiva daquele casal, fui logo pro portão de embarque. Comprei uma barra de chocolate ao leite e continuei a ler um artigo sobre o impacto da globalização na China. O artigo defende que o lado negro da globalização tem se tornado cada vez mais claro aos países em desenvolvimento desde o grande abalo financeiro mundial. Mas se a previsão de crescimento do PIB chinês em 2010 é de 9,5%, onde está a crise para a gigante RPC?

Gigante. Entrei no aeroporto gigante de Beijing e fui logo buscar um banheiro. A globalização tem feito com que determinados locais disponibilizem também o vaso sanitário ocidental, mas não são a maioria. Por outro lado, a maioria dos banheiros têm porta, mas de que adianta uma porta se a cultura da falta de privacidade permanece? Entrei no banheiro e vi uma mulher sentada de cócoras com as pernas e a porta abertas. Levei um susto e automaticamente pedi desculpas. Ela não deve ter entendido nada, estava apenas conversando com uma amiga enquanto fazia as suas necessidades. Quando o assunto é cultura, certo e errado são palavras que perdem seu valor. As chinesas dizem que o banheiro delas é mais higiênico que o nosso porque não sentam no vaso. Bem, nós também não sentamos naqueles que não sejam o da nossa própria casa. Difícil foi eu me acostumar... Nem sempre a minha mira funcionava muito bem e teve uma vez que só depois que eu já estava terminando, vi meu xixi atravessando a porta... Me vesti correndo, dei um pulo pra desviar da água que saiu do meu próprio ser e nem sequer olhei pras pessoas de tanta vergonha. Depois de pisar em xixi e sair sem lavar as mãos, eu ainda não entendia como aquele banheiro poderia ser mais higiênico que o nosso. Talvez deveria ter deixado a porta aberta também... pelo menos assim, estaria mais atenta.

Gostaria de dizer que não gosto de generalizações... então, não estou dizendo que os chineses não tomam banho ou dão menos importância a higiene pessoal que nós, ok? Mas o fato é que tanto no vôo Estambul-Beijing como no regresso, a região onde os chineses sentaram fedia a chulé. E digo a região mesmo porque nos dois vôos eles eram colocados juntos, nos últimos assentos do avião. Na ida, nem havia me dado conta disso e passei as intermináveis 9 horas ao lado de um deles. Achava que o cheiro advinha dessa pessoa em específico e nem me atrevi a tentar mudar de lugar porque o vôo estava cheio. Mas na volta, me colocaram mais na frente e quando decidi caminhar pelo avião para esticar as pernas, senti aquele mesmo cheiro da vinda quando passei pelas poltronas do fundão... e aí, as coisas pareceram fazer sentido. E eu não senti mal cheiro quando conheci chineses nos bares, quando passei por eles nos templos... nem no metrô senti um cheiro tão forte como no avião.

Mas se for pra falar do hábito que me incomodou mais, foi o de expelir saliva ao meio ambiente. E não pelo cuspe em si porque já vi muita gente cuspindo pelo mundo afora. Só que o meu cérebro só recebia a informação "cuspe no chão" se eu tivesse a infelicidade de ver este alguém cuspindo. Na China, parece que eles fazem questão de avisar: "Olha o cuspe chegando aó genteee!" porque emitem um barulho estrondoso antes de atirar. Então, mesmo que a pessoa não esteja ao alcance dos seus olhos, você vai escutar e imaginar o que vem por aí...!

Também não me esqueço do susto que levei quando limpei o salão (nossa, expressão típica da minha mãe essa!) no meu primeiro banho em Beijing. Eu fiquei olhando, olhando a minha meleca cor de carvão por 5 minutos! Não conseguia acreditar que ela pudesse ter aquela cor... A verdade é que a poluição de Beijing é facil de se ver e sentir. Ela faz com que o Sol pareça a Lua porque durante o dia o que via era uma bola laranja ao invés do clarão que se espalha pela atmosfera. Os raios solares são bloqueados por fumaça e pó. E se quando cheguei por lá pensei que havia tido o azar de me deparar com um dia nublado de inverno, percebi ao longo dos dias que nublada é a cidade de Beijing: seja com sol, chuva, neblina ou neve. Mais que isso, se ler nos noticiários deste lado do mundo que Copenhague representou o fracasso da gestão da ONU, foi em Beijing que todas essas críticas tiveram outro significado pra mim. Senti na pele o drama da impotência dos organizadores por não conseguir conciliar as exigências dos 193 países e agora levanto a bandeira com mais força ao dizer que o dragão chinês necessita de ajuda a curto prazo para diminuir a emissão de poluentes.

Muitas pessoas comentaram comigo que deveria levar a mala vazia pra China. Ahhh por que lá deve ser o paraíso das compras! Se aquilo ali é o paraíso, eu definitavemente prefiro ir pro inferno. Ou quem sabe trabalhar mais pra poder continuar comprando numa loja normal e não ter que barganhar tanto... No Silk Market, ou Mercado de Seda, time means saving money! Definetly! Quanto mais tempo você tem pra barganhar com as chinesas, mais barato o produto sai. Um produto que a princípio é ofertado por 900 yuans pode sair, após 5 minutos de conversa, 500 yuans. Após 30 minutos: 200 yuans. E foi assim com as botas de inverno que comprei com minha companheira de viagem, Sylvia. A chinesa disse que os dois pares sairiam por 1800 yuans, eu sugeri 1000 e ela aceitou. Eu já estava com os 500 yuans em mãos, feliz de ter conseguido o descontão e a Sylvia olhou pra mim e disse: "- Ju, você não sabe comprar na China... tá louca? Precisamos baixar mais!!!", até que ela alcançou o valor de 225 yuans por cada par e eu saí boquiaberta por ter pago 22,50€ pelas botas que salvaram meus dedões do pé do congelamento...
Além de cansativo, eu me segurava pra não rir durante a compra. Como o inglês de muitas vendedoras ainda é fraco, elas respondiam muitas frases feitas. Observe o diálogo entre eu e a vendedora para comprar uma carteira.

- I'd like this red wallet. How much does it cost?
E então, ela marca na calculadora e me mostra: 80 (yuans).
Eu faço cara de reprovação, apago os 80 e marco 60 na calculadora.
Ela olha pra mim com cara de choro e diz: - You're breaking my heaaaart!!!
Eu me seguro pra não rir e respondo: - I wanna be your friend, honey! Why would I break your heart??? Com cara de Kate Winslet vendo o Leo di Caprio partir... - Do you wanna be my friend? Let's make a deal, disse eu assertiva já me achando uma expert em compras na China.
Ela marca 70 e eu agora marco 50. Ela agora faz cara de brava e diz: - Are you kidding me? This is good leather, look girl, good leather!!! Então, ela faz cara de quem comeu e não gostou e busca um isqueiro e o acende na minha frente, passando o fogo pela carteira pra me impressionar... Eu digo pra ela que não tenho 70, só 50.
Aí ela pergunta: - Do you have a boyfriend? You're so pretty, ask your boyfriend more money.
- No no no boyfriend! I've 50 yuans and I've to go now. Byeee!!!
Eu vou saindo e a chinesa me puxa pelo braço e diz - Ok, ok! You're my friend. I can make this offer for you... Levei minha carteira por 5€ e ainda teve gente que disse que fui mole. Podia ter conseguido por três...

A visita ao Mercado de Seda me fez refletir sobre o valor e a veracidade das coisas. Afinal, será mesmo que eu comprei uma carteira de couro? E a mão de obra delas, quanto vale? E a hora de trabalho das vendedoras, tem preço? Quanto vale o tempo que eu disponibilizo pra baixar o preço de um produto? Não seria mais rico estar caminhando pelas ruas de Beijing? E será que vale a pena comprar aquele produto simplesmente porque é barato? Não mesmo. Mais uma vez e especialmente desta vez me senti uma idiota perdendo meu tempo fazendo compras. Comprei duas botas, dois casacos e uma carteira. E mesmo só tendo comprado o que precisava, meus tico e teco poderiam ter sido melhor aproveitados nesses minutos...

Quando quis comprar uma saia, fui num shopping mesmo, ao U-Center. Ahhh estava feliz e contente que não tinha nenhuma chinesa me tocando e gritando pelos corredores como no Silk Market. Escolhi uma saia e pedi meu tamanho a vendedora: M. Ela trouxe o M e não passou do joelho. Bem, vai que é o modelo, né? Pedi logo a L. Só que a Large não passou do quadril. E pela primeira vez na minha vida comprei uma roupa Extra Large. Tudo bem que de fato preciso baixar uns 3, 4 kilinhos, mas comprar roupa com o padrão chinês pode gerar depressão... saí da loja com fome e quase arrisquei uma salada de polvo. É... o que a economia, prédios, estradas, templos e dagrões têm de grande na China, os chineses têm de pequenos. Não tem como comparar a estrutura das brasileironas com o corpo das chinesinhas. Comi noodles mesmo, oras, tinha fome!

Falando em comida, eu perdi as contas de quantas vezes me perguntaram se eu comi cachorro em Pequim. Vou responder igual a Fê: - Pode ser que tenha comido e não saiba... Como a maioria dos cardápios estão escritos apenas em chinês o que nos ajudava a fazer o pedido eram as fotos. Mas, mesmo assim, em 50% das vezes, eu não conseguia identificar os ingredientes nem na foto e nem depois de ver-los e degustar-los! O que posso dizer é que a comida é sim diferente da chinesa que comemos no Brasil, Portugal e Espanha. Muitos dos pratos são apimentados e como a escolha era sempre no chute, o agrado também vinha com a sorte. Às vezes achava delicioso! Outras vezes não conseguia terminar. Provei ao máximo a gastronomia chinesa e coreana, que representavam uma novidade pra mim, mas também comi pizza, salada, cheescake, burritos e sushis. Até padaria francesa já tem por lá... mas eu deixo aqui a minha opnião: não chega aos pés de uma padaria francesa de verdade... de qualquer forma, imitar é o forte deles! E cada dia que passa, há mais imitação do mundo todo por lá.

Este post traz o que vi, vivi e provei em Beijing das 17h do dia 23 de Dezembro às 15h do dia 24. Fique tranquilo: não farei um post para os 15 dias! Infelizmente, não tenho tempo pra isso. Queria apenas que vocês sentissem um pouco quantas coisas me chamaram atenção em tão pouco tempo...
No próximo post, há que trazer o conteúdo menos perceptível, menos visível. Há que se falar de política, de crenças e valores, de linguagem verbal e não-verbal, de arte e sentimentos. E, claro, de quem os carrega e os faz existir: o povo chinês.