28 de setembro de 2009

Chinês-norte-americano

Tem horas que cansa ler, escrever, resumir artigos. Então, pra relaxar e não parar de trabalhar, lá vai eu fazer uma atividade que eu adoro: pesquisar novos artigos! E foi numa tarde de abril deste ano que lá estava eu, na biblioteca que eu mais gosto de estudar: Jaume Foster, em Lesseps, buscando artigos. Palavras-chave pra lá, cliques pra cá, me aparece um artigo interessantíssimo: Profiling retirees in the retirement transition and adjustment process: Examining the longitudinal change patterns of retirees' phychological well-being. Publicado na Journal of Applied Psychology, o texto me chamou tanta atenção que eu decidi pesquisar sobre quem o escreveu. 29 anos, atual professor da Universidade de Maryland (uma das melhores em Psicologia Organizacional), completou 2 Doutorados com 26 anos pela Bowling Green University e possui três anos de experiência na Universidade de Portland). Em poucas palavras, o cara me parecia um gênio. Por motivos de segurança pessoal, o nome do chinês-norte-americano não será citado neste post. ;) Apesar de ainda me confundir muito com os nomes chineses, quando vi o dele, me dei conta de que aquele nome não me era estranho!

Neste Master da Universidade de Barcelona, as disciplinas não começam e terminam ao mesmo tempo. São como módulos que duram um mês ou um bimestre. Abri meu calendário de aulas do primeiro semestre de 2009 e lá estava o nome dele. O chinês-norte-americano que é uma das maiores referências na área de aposentadoria seria meu professor em junho. Pense numa mestranda feliz! Na mesma hora, peguei o e-mail do renomado professor e lhe escrevi. Me apresentei, disse que já tinha encontrado um dos seus artigos, teci elogios e manifestei minha elevada expectativa em conhecê-lo. Ele prontamente me respondeu, de forma objetiva mas ao mesmo tempo solícita enviando todos os artigos e capítulos de livros (publicado e em revisão) que já havia escrito até o momento. Voltei pra casa com o sorriso largo de uma assumida nerd que não nega a vontade de um dia ser professora.

Em junho, chegou o grande momento. Cheguei cedo na aula, contente, insegura e com dor de barriga (conseqüência fisiológica do estresse que mais me incomoda. ps.: eu devia ter vergonha de dizer essas coisas =). Pra diminuir os efeitos colaterais, levei um livro onde ele publicou um capítulo. A idéia surtiu melhor efeito do que eu esperava. O professor entrou na sala, me viu sentada com o livro à minha frente e disse: "Wow! You have this book! You're just my favorite student." Não precisava ser assim na frente de todo mundo, mas a dor de barriga foi logo embora.

As aulas começaram e as qualidades do chinês eram nítidas. Cada teoria era apresentada com um exemplo prático depois, as aulas eram dinâmicas, o inglês dele é muito bom (todo mundo estava com medo do inglês do chinês, depois de ter passado um australiano que fala baixo e pra dentro) e disse logo na primeira aula que não gosta de ser severo nas avaliações. No mais, nos pareceu uma pessoa super sociável. Seja porque não conhecia ninguém na Espanha ou porque não falava espanhol, ele estava sempre perguntando quais eram nossos planos pro final-de-semana e não apenas disse como foi encontrar com a gente mais de uma vez.

No entanto, havia certos comportamentos do tal professor que me incomodavam. Mesmo durante a apresentação dos alunos, ele não deixava de trabalhar. Estava sempre com seu notebook, e ficava lendo enquanto os alunos apresentavam. O que dava raiva é que caso o aluno(a) dissesse alguma informação errada ou incompleta, ele virava, interrompia e explicava. Mas o fato dele não olhar pra cara dos alunos me soava como desprezo, como "estou presenciando mais uma apresentação depois de 1000". Também não gostava da forma como ele perguntava aos alunos, uma forma mais que direta, mais pra agressiva, de como quem tira o revólver do bolso e diz: "Mãos ao alto, o que é dissonância cognitiva, fale agora ou cale-se para sempre"! E eu reparava que a maioria dos alunos se sentiam incomodados com isso. No Brasil, em Portugal e na Espanha, estamos acostumados a debater um assunto, mesmo sendo ele um conceito. Já o chinês queria todas as respostas ali, na ponta da língua.

Além disso, me chamou atenção o valor que o cara dá a dinheiro: disse quanto ganha no primeiro dia de aula pra turma toda e tudo que ele qualificava como bom nessa vida, dizia que dava todooo o dinheiro que tem pra ter aquilo. Um dia, na casa da Sabrina, fazendo esquenta antes de sair pra praia no dia de Sant Joan, ele disse que daria todo o dinheiro que tem pra ter uma casa na França e casar com uma francesa... afffff, depois desse comentário, pra não me desanimar mais, eu saí à francesa da conversa. Só pra completar, ele diz que ama o sistema capitalista porque por ser chinês ele pode sim dizer que apenas o capitalismo oferece as mesmas oportunidades a todos e, segundo ele, os Estados Unidos da América é o único lugar do mundo em que a teoria e a prática da Psicologia dos Recursos Humanos mais se aproximam. Segundo ele, só na terra do Tio Sam as grandes empresas investem nas Universidades e um aluno com um U.S.A PhD saí da universidade com 3, 4 grandes oportunidades de emprego. E foi por esse toque materialista excessivo e de louvor aos EUA que eu apelidei o chinês de norte-americano. Porque se não fossem os olhos puxados, eu diria que ele nasceu nos States e não votou no Obama nas últimas eleições.

Porém, incômodos à parte e como ninguém é perfeito, eu não esquecia que o professor é um excelente pesquisador na área que pretendo continuar pesquisando e, por isso, tinha que aproveitar as poucas semanas que ele estaria em Barcelona pra aprender muito com ele. Solicitei, então, reuniões com o professor em horários extra-classe pra mostrar o meu projeto de pesquisa. Ele me ajudou muito, me abriu os olhos pra detalhes que eu não havia reparado e nessas e outras, também por conta da sua admiração obsessiva pelos Estados Unidos, disse que o melhor que eu tinha a fazer naquele momento era terminar logo de escrever essa coisa (vulgo dissertação), e me preparar pra fazer o doutorado aonde??? advinha!!! Pois bem, O cara disse simplesmente T-U-D-O o que eu precisaria pra conseguir um PhD no US: TOEFL, GRE, boas notas no mestrado, 3 cartas de recomendação (de preferência 2 de professores norte-americanos), publicações em Congressos, artigos publicados, essas coisas... Então, explicou que o GRE não é um teste fácil e que seria uma boa opção fazer um curso preparatório antes de me inscrever.

Nesses dias, peguei as informações sobre o referido teste, estudei que nem uma condenada pra disciplina dele, fiz a apresentação com uma dor de barriga dos infernos que começou no dia anterior... enfim, tentei fazer o que pude para demonstrar o meu certo interesse em trabalhar com ele porque nas entrelinhas as suas palavras me convidavam a sonhar "quem sabe um dia eu não posso ser doutoranda dele!"

Último de aula, segunda-feira, dia 06 de julho. O professor mais jovem e sociável que tivemos na UB convidou a gente pra jantar depois da aula, que terminava às 21h. Fomos todos pra um bar de tapas contentes pela experiência riquíssima que tivemos ao conhecê-lo e intensamente aliviados por ter sido o nosso último dia de aula do semestre passado. Conversa vai, conversa vem, o professor estava fazendo marketing do doutorado nos Estados Unidos pra todos os alunos.

Por algum motivo eu virei pro professor e perguntei: Quantos alunos de doutorado você tem? Aí ele disse que tinha apenas 2 porque eles se escrevem todos os dias, almoçam juntos alguns dias da semana, conversam sobre a tese durante o almoço... well, aquele papo de professor workaholic para os pessimistas e com dedicação exclusiva para os otimistas. Daí, eu continuei perguntando (não tenho a menor ideia do porquê eu perguntei isso, mas eu acho que era porque meu anjo da guarda estava por perto): Professor, e quantos anos os seus alunos têm? Um tem 23 e acho que o outro, 24. Noooossa, exclamei, como são novos! E então, o chinês-norte-americano comentou:

"I don't have PhD students older than that. And I don't receive PhD students from other Universities too. It's easier to train them if they finish their Bachelor's degree and then make Master and PhD with me. Students like you, who studied in Brazil, Spain... you learned a LOT of wrog stuff. It would have to spend much more time to teach for students from different Universities".

Alguns milisegundos depois, a nerd impulsiva aqui bateu na mesa com tanta força que o Mateus, marido da Sabrina, gritou: "Suspende o áaaalcool!" O pior é que eu estava longe de estar bêbada. Estava muito consciente do significado que aquelas palavras tinham pra mim e prontamente olhei pro gênio e disse:

"I know why, Professor. It's because for YOU it's much more important the number of publications you have than helping someone to reach a dream".

Ele, então, simplesmente retrucou que pode, quando eu quiser, escrever uma carta de recomendação minha para outro Professor nos EUA. Palavras essas que ratificaram que ele nunca me convidaria pra ser aluna dele. Porque ao terminar um mestrado com 25 anos e tendo passado por outras Universidades, eu estou velha demais e com muitos conhecimentos a serem corrigidos. Nesse momento eu imaginei os alunos dele como os ratinhos de Skinner, treinadinhos da biblioteca pra casa e da casa pra biblioteca! Ah, cómo me gusta la vida en España!!!

Hoje vocês podem ver quanto tempo eu levei pra decidir contar esse episódio. Apesar do tempo que passou, vocês também podem sentir o quanto eu ainda estou abalada por ter escutado uma barbaridade dessas. O mesmo cara que me fez sonhar com um futuro doutorado foi o mesmo que em questão de segundos me deixou sem a menor motivação pra tentá-lo, pelo menos em breve... Mas a decisão de expressar essa história publicamente e a segurança que sinto em não fazer questão desta oportunidade me esclareceram algumas características minhas que ninguém será capaz de retirar: o meu senso crítico, os meus valores e a minha vontade de expressá-los.

Não me lembro de ter comentado este fato com muitas pessoas, mas eu recebi um comentário de uma pessoa pra lá de especial que eu nunca vou esquecer:

"Filha, esse chinês-norte-americano pode ser o que você quiser: um excelente professor, um renomado pesquisador, um crânio, um gênio! Mas psicólogo, filha, ele não é".

3 de setembro de 2009

Fechando gestalts... amando de diversas formas.

Foi no dia 03 de setembro de 2008 que saí de Brasília para realizar um sonho. Na verdade, eram vários sonhos de uma só vez: conhecer várias cidades, conhecer pessoas de diferentes cidades. E não era um conhecer qualquer, um passeio turístico, uma vista a zoológico. Era pra entrar em contato, pra sentir a cultura, o jeito de andar, de falar, de se relacionar. E, nesse monte de sonhos, estava um outro sonho que representaria o meio pelo qual eu pudesse alcançar os demais: realizar um mestrado em Psicologia. E desses sonhos todos, havia um maior: me auto-conhecer. Poder entrar em contato com pessoas e lugares diferentes me faria descobrir, apesar de sempre estarmos nos auto-descobrindo, como eu me relaciono com as pessoas, o que eu realmente quero fazer pra obter meu ganha-pão e pra sentir prazer (e como concilicar as duas coisas), por qual causa quer lutar, em qual cidade gostaria de viver e, quem sabe, construir um novo ciclo. Enfim, uma infinidade de coisas pra descobrir, viver e contar...

Hoje, no dia 03 de setembro de 2009, encontro-me de malas prontas de novo. Desta vez, saio de Coimbra e volto a Barcelona para recomeçar. Neste ano que passou, morei em Coimbra e em Barcelona. Conheci Lisboa, Porto, Guimarães, Fiqueira da Foz, Conímbriga, Buçaco, Leiria, Faro, Santiago de Compostela, Valência, ilha de Mallorca, Sevilha, Córdoba e Granada. Passei três semanas na minha querida Brasília e agora estou em Coimbra para resolver questões burocráticas e, claro, rever pessoas: sempre o melhor objetivo de grande parte das minhas viagens. Em julho e agosto, meu blog ficou meio parado, é verdade. Rabisquei muito, não postei nada e mais, apaguei posts. Meus últimos dois meses foram intensos em diversos âmbitos da minha vida e cruciais para: fechar gestalts! Para Frederick Perls, fundador da Gestalt Terapia, fechar a gestalt significa tentar harmonizar o campo perceptivo, se interessar não apenas pela figura, mas reparar no fundo também. Na clínica, o termo assume um sentido mais complicado. Para o senso comum, o termo passou a significar chegar a uma conclusão, finalizar uma percepção, terminar um ciclo.

Hoje, chega ao fim um ano de mestrado e caminho em direção ao último. Essa etapa pode estar em chegando ao fim, mas os sonhos... ahhh esses só aumentam! E agora, faltando algumas horas para partir de Coimbra e recomeçar em Barcelona, compartilho com vocês, leitores, uma conclusão que me marcou fortemente após o término deste ciclo: estou aprendendo a amar.

Meus meses em Coimbra e em Barça e minha passagem por Brasília me fazem sentir que entrei em contato com diferentes formas das pessoas cuidarem de mim, gostarem de mim e me amarem e eu também cuido, gosto e amo de formas diferentes. Sinto que ao longo desse ano, experenciei diversas formas de amar em todos os papéis: como filha, amiga, subrinha, prima, irmã adotada, ex-namorada... Mais que aprendi, senti na pele que há diversas formas de se expressar o amor e que é preciso respeitá-los. Tem gente que verbaliza frequentemente, gosta de presentar. Tem aqueles que olham nos olhos sem piscar, outros evitam o olhar. Há quem goste de fazer surpresa, outros enviam um recado com palavras inesquecíveis ou há ainda aqueles que parecem ter medo de abraçar.

Com papai e mamãe, aprendi a expressar melhor o meu amor por eles, apesar de sempre achar que posso fazê-lo mais e melhor. A distância e a consequente imensa saudade nos fazem não apenas dar mais valor a esse amor, mas a valorizá-lo mais constantemente. Ver de forma clara tudo que fazem por mim, o quanto lutaram pra me ver aqui e como se esforçam para que saibamos lidar melhor com as saudades demonstra que o silêncio deles denota uma preocupação com o meu enfrentamento a esse turbilhão de desafios e, o não-dito um dia será por mim percebido... como agora. Não deixa de ser: uma forma de amar.

O fato deles me deixarem ir e reconhecerem a importância de que eu passe tanto tempo com eles como com os meus amigos quando estive em Brasília me mostra que não é fácil cuidar sem controlar, mas que eles saibem muito bem a diferença. Digo muito mais "te amo" que antes e eles também, porém percebi que antes dava muito mais valor ao ouvir esta expressão e hoje valorizo muito mais as pequenas ações do dia-a-dia, que antes nem sequer dava importância... como o meu pai cuidando da minha documentação do master e me levando pra conhecer lugares novos em Brasília ou a minha mãe me ajudando com a análise dos dados da minha pesquisa e fazendo meu café-da-manhã durante esses vinte dias...

Senti também que é possível amar alguém mesmo reconhecendo que o melhor a se fazer agora é se afastar. Amei e amo pessoas com quem estive em pouco contato ao longo desse ano e, juntos, quando nos reencontramos, continuamos a reconhecer que o melhor é seguir em frente, conhecer outras pessoas e amar outras pessoas. Tão paradoxal quanto verdadeiro.

Além disso, quando terminamos um ciclo como a graduação, parece que ficaram milhares de amigos, mas depois de menos de um ano vemos quem verdadeiramente ficou, quem buscou, procurou, se fez presente. Quem são aqueles que me sinto à vontade pra contar o que vivi e senti nesses meses mesmo tendod ficado distante por longos meses e quem são aqueles capazes de reparar em que eu mudei e dividiram isso comigo. As pessoas que me criticam, seja para dizer o bem ou para dizer o que eu fiz de mal, esses sim se preocupam comigo. E se for dito com jeitinho, aí surge a certeza: "Esse aí, é meu amigo!"

Como diz uma música da India Aire, a qual adoro cantar: "The only thing constant in the world is change". E como relembram Bidê ou Balde, música que marcou minha chegada na Europa: "Há sempre amor mesmo que mude". Felizmente, um ano passa, gestalts se fecham, cidades de transformam, mas os verdadeiros amores... ahhh eles ficam pra sempre latentes dentro da gente, independente de haver muito ou pouco contato. E foi na visita a cidade onde comecei a sonhar - Brasília - que reconheci que mudei muito, que as pessoas que amo têm mudado também e que estamos todos nos movimentando e nos amando, das mais variadas formas! Quem viver, sentirá e verá!

"Ela vai mudar
Vai gostar de coisas que ele nunca imaginou
Vai ficar feliz de ver que ele também mudou

É sempre amor mesmo que acabe
Com ela aonde quer que esteja
É sempre amor, mesmo que mude
É sempre amor, mesmo que alguém esqueça o que passou"
(Bidê ou balde - Mesmo que mude)