24 de janeiro de 2010

O que Beijing deixou em mim?

Quando cheguei em Beijing, só sabia falar 3 palavras em mandarim: nihao! = olá!, xièxiè = obrigada e zài jiàn = tchau. Com o passar dos dias, escutei muitas palavras, mas só aprendi e utilizei mais 3 expressões: wudaokou, qing huá dà xué dóng bei mén e dui.

Calma, vou explicar. Wudaokou é o nome da região mais próxima aos dormitórios onde a Fê estava morando. E onde tem o metrô mais perto também. Então, seja para pegar o metrô, para ir ao shopping, restaurantes, bares, lojas tínhamos que ir de taxi dos dormitórios até wudaokou. Se não fosse taxi, teria que ser bicicleta. Naquele frio??? Alugar uma bicicleta velha pra pegar um frio absuuurdo que congelava minhas enormes bochechas?! Não, obrigada. Passeio de bicicleta elétrica eu aceitei. Mas as que tinham pra alugar eram inacreditavelmente velhas. Até banco remendado eu vi. Gastava 10 míseros yuans ou 1€ para ir dos dorms (apelido carinhoso) até wudaokou de taxi. E como não é uma palavra difícil de dizer, entrava no taxi e dizia assertiva: nihao! iudaôkou (vem, repete comigo ;) E pronto. Caso eu quisesse ir de taxi para algum lugar mais longe, aí tinha que levar o guia do lonely planet comigo (muito bom, diga-se de passagem e pra quem vai ficar mais tempo também =), olhava pro taxista, apontava o nome do local escrito em chinês e voltava o olhar pra ele pra ver se ele demonstrava ter entendido. Como os lugares que fui sozinha eram turísticos, sem problemas, eles entendiam e me levavam.

Teve apenas uma vez que eu fiquei preocupada. Queria ir ao Dashanzi Art District, onde está a antiga fábrica 798 que agora virou um espaço para exposições e galerias de arte. A Fê tinha coisas pra resolver pela manhã, e então, lá fui eu logo cedo. Entrei no taxi, saludei o básico nihao e apontei pro endereço. Ele parecia ter entendido. Mas eu senti que não estava confiante. Pelo retrovisor, o observava... ele franzia a testa de vez em quando. Quando as coisas estão mais pra mal que pra bem, parece que o nosso feeling realmente funciona. A Fê tinha dito que esse local era longinho e que ia me custar entre 45 e 55 yuans. Quando o marcador mostrou 60, eu começei a suar frio. Pronto, o cara tá me levando pra ondeeee??? O que eu vou fazer??? Gritar socoooooorro??? Baaaahhh fiquem tranquilos, isso é só charminho pra deixar os leitores mais atentos. =P Tava de boaaa, como dizem lá na minha terra. Tinha o celular da Fê comigo e ela ficava em contato com um amigo dela que também morava nos dorms. Então, qualquer coisa, ligava pra ele e falava com ela. Mas que nada! Sai da minha frente que eu quero enfrentar as adversidades sozinha, agora ninguém me segura! Tava ansiosa pra ver no que no que aquilo ia dar... O motorista estava mesmo perdido. Parou o taxi e foi pedir informação pro primeiro cara que viu na calçada. Fiquei observando a conversa sem entender absolutamente nada. Depois, engraçado... só de ver a expressão do taxista quando caminhava da calçada até o taxi eu já sabia que ele finalmente sabia como chegar lá. Do retrovisor, via agora um olhar confiante, mãos no volante y ya! Here we are! O trajeto me custou um pouco mais caro né? Se soubesse algumas palavras mais, teria feito uma brincadeirinha, pedia um desconto ou algo. O que fiz mesmo foi entregar o dinheiro, retribuir com um olhar de alívio e me despedir: xièxiè.

Mas e pra voltar pra casa? Mesmo que eu estivesse chegado a wudaokou de metrô, saaame thing: tinha que ir de taxi de wudaokou até os dorms. Pra não ter erro e estresse, a Fê havia deixado comigo o cartão com o endereço e mapinha do prédio onde morava. Maaaaas, eu achava simplesmente o máximo tentar dizer o endereço. Já tinha pedido a Fê para praticar comigo algumas vezes. E o que se escreve assim: qing huá dà xué dóng bei mén, se diz mais ou menos assim tchín tchá dá xuê dông bêing mã! e significa prédio Zijing número 22 da universidade Tsinghua. Então, o plano que eu estabeleci comigo mesma era o seguinte: primeiro dizia o que havia treinado. Se ele fizesse cara de "heeeeein???", aí eu mostrava o cartão. Vocês não imaginam o orgulho que me tomava conta quando eu percebia que o taxista entendia o que eu havia dito sem ter que mostrar o cartão! Se depois que eu disesse a assombrosa expressão, ele fizesse um movimento assertivo com a cabeça e arrancasse, eu vibrava e dava um grito mudo pra celebrar! =D

Incrível como é bom se fazer entender. E pra quem trabalha na área de Recursos Humanos, se há um aspecto que sempre há de ser aperfeiçoado é o sistema de comunicação. Quantos procedimentos não se repetem porque a informação ainda não chegou. A falha no processo comunicativo e a burocracia são veeelhas amigas. Andam juntas desde a Revolução Industrial. E se o que é resolvido pelo chefe não chega aos demais membros da equipe, o sentimento de injustiça pode gerar desmotivação e afetar as metas, prazos e resultados. E nem precisamos dos exemplos de grandes empresas. Quantos casais não brigam porque "eu havia ditooo que...!!!" E do outro lado: "mas eu havia entendido que...". Ahhh e poucas coisas me dão mais raiva do que ir a Universidade para encontrar minha orientadora de mestrado e escutar ela dizer exatamente o que havia dito na reunião passada ou, simplesmente, o oposto. No primeiro caso, fico me perguntando do metrô até em casa: "Pra que eu fui até a Universidade???" No segundo caso, me pergunto no mesmo trajeto: "Afinal, que diabos essa mulher quer???"

Como pode então alguém passear por uma cidade um dia inteiro e se comunicar eficazmente sabendo falar 6 expressões? Sim, é possível. Todos nós utilizamos uma linguagem de maneira instintiva e inconsciente que se chama linguagem não-verbal. Essa linguagem serve para reforçar o que transmitimos com as palavras. Mas o seu poder é tão grande que ela pode substituí-las. Quando chegávamos a um restaurante, mostravámos o número com os dedos ou apontávamos pra nós mesmos para que a garçonete entendesse "Mesa pra... 2, 3, 4". Para pedir os pratos, bastava apontar pro que achávamos que poderia ser saboroso. E nessas horas o dui ajudava muito. O dui (vem comigo de novo: dúê ;) significa ok!, certo!, isso mesmo!, that's right! Pra não ter erro no pedido, depois que apontávamos todos os pratos pra ela no cardápio, ela anotava e depois voltava o olhar pra gente e apontava para todos os pratos - um - por - um de novo enquanto a gente ia respondendo: dui, dui, dui até que ela estivesse segura de que, de fato, estava tudo dui!


Uma viagem nos traz tantos aprendizados, lembranças, vontades, imagens, desejos, algumas vezes até amizades e muita saudade... Beijing me trouxe tudo isso. E me mostrou, em todos os dias que eu lá estive, a importância de nos conscientizarmos e de estarmos mais atentos a nossa linguagem corporal. Será que os meus gestos e expressões, a minha aparência, postura, o modo como eu caminho, o tom e volume da minha voz estão de acordo com o que eu quero transmitir? Nós sabemos que a linguagem corporal muda de contexto pra contexto e de cultura pra cultura. Mas cada um de nós tem os seus gestos e expressões próprios, que nos caracterizam e nos ajudam a nos comunicar melhor.

Beijing me deixou uma vontade grande de fazer maior e melhor uso das mensagens que expressamos com um toque, com os movimentos das mãos, com um sorriso, com o balanço das pernas, com as formas do corpo, com o carinho de um abraço e com a força do silêncio. Beijing me convidou a viver mais aquela velha e conhecida frase-clichê que é pura verdade: Um olhar vale muito mais que mil palavras.

More than words is all you have to do to make it real.