7 de maio de 2008

Isabella: nosso luto necessário

O caso da menina Isabella, que morreu de forma brutal e misteriosa aos 5 anos de idade na cidade de São Paulo, tem sido acompanhado pelos brasileiros há alguns dias. Você quer ver as fotos? ou prefere os vídeos? o velório? as cartas? a missa de sétimo dia ou os depoimentos dos colegas? Não se preocupe: está tudo no ar.

Pois é, o que vem sendo discutido agora é: houve exagero da mídia ao relatar o caso? Ao meu ver, sim. A mídia não quer apenas informar, ela quer nos chocar, tocar - a ponto de nos fazer sofrer. Eu fiquei me perguntando, por exemplo, qual foi o objetivo de entrevistar os ex-coleguinhas da menina. Será que aquelas crianças de 5 anos têm a capacidade de compreender a perda da colega? E como será que eles se sentirão ao tomar consciência do que falaram "para todo o Brasil"?

Ao mesmo tempo, esse exagero levantou questões maiores, tais como o reconhecimento de que vivemos, sim, em uma sociedade do espetáculo. E o que vamos fazer com isso?

Uma das minhas supervisoras de estágio na clínica, Maria da Penha Nery (psicóloga, psicodramatista, psicoterapeuta e professora) escreveu um texto sobre isso. Penha, obrigada por suas belas palavras. Você é uma daquelas professoras que eu faço questão de chamar de educadora.

Isabella: nosso luto necessário.

(Texto de Maria da Penha Nery)

"Perdão Isabella, mas você foi escolhida. Escolhida para chorarmos por você, uma pessoinha que não conhecíamos, mas que nos foi apresentada no estrondo de uma queda. E aí, a admiramos. Encantamo-nos com seu jeito, seu sorriso, sua meninice. Passamos a amar a criança desamparada, rejeitada e que se tornou um bode expiatório, a tal ponto de ser vítima de uma violência irreversível.

Porém, Isabella, você foi escolhida para chorarmos outras coisas... Então, você também se torna o bode expiatório de todos nós, cidadãos de um país em desenvolvimento, também criança, cheio de ingenuidades, também crescido, mas menino-homem violento. Sim, choramos a incrível violência doméstica existente no Brasil, contra crianças e mulheres... Choramos o elevado índice de desemprego, os empregos subalternos desvalorizados, os serviços refeitos, os produtos violados... Sofremos com os indivíduos que passam fome, nas habitações miseráveis das favelas, sem infra-estrutura... Enlutamos dia-a-dia com o trânsito caótico e mórbido... Com a poluição, com a solidão da vida moderna.Estamos desesperados com a ganância, a arrogância, o lucro exorbitante dos 10% mais ricos do país e com a passividade, exploração e humilhação dos pobres e miseráveis, maioria da população. Ficamos estarrecidos diante da falta de líderes, da falta da luta política por um país efetivamente mais justo. E nos paralisamos na apatia e na hipocrisia da classe média que se deita em berço esplêndido.

Isabella, por você, vivemos o luto das florestas desmatadas, das madeiras enterradas, da caça aos animais em extinção... Vivemos o luto do trabalho escravo, da morte no campo por exaustão... dos índios tratados como animais... dos negros, ainda excluídos da sociedade. Choramos pelo nível educacional do país, pela qualidade baixíssima de ensino, pela quantidade exorbitante de evasão escolar... Nos petrificamos diante da corrupção, diante dos políticos hipócritas e egoístas... Sofremos com os assassinatos cruéis de gays, com as adolescentes que se entregam aos estrangeiros, porque não conseguem ver outras saídas diante da oferta em dólar, em euro, para a tão sensual e "fácil" imagem midiática da mulata brasileira.

Não conseguimos simular descaso diante de epidemias que já deveriam ter ido embora... E choramos as filas dos hospitais, as enfermarias inóspitas e a falta de tratamento para o cidadão... Nos perdemos diante dos salários injustos de médicos e professores.

Isabella, perdoe-nos, mas seguimos notícias suas, passo a passo. Elas se tornaram uma novela e quisemos ver todos os capítulos. Precisávamos nos certificar do que realmente acontecera em sua tragédia. Quem sabe a partir daí, nós também iríamos olhar a tragédia de tantos "aviões" de sua idade nas belas praias do país... E lamentar ter que dirigir com os vidros dos carros fechados, para que um pedinte de sua faixa etária não nos invada, com seu olhar tristonho ou para não sermos vítimas do ódio de um garoto que se endureceu de tanto viver abandonado nas ruas.

Esse pedido de perdão, Isabella, é porque não choramos só por você, pois talvez seria suficiente chorar por você na primeira noite da notícia de seu bárbaro assassinato. Ou nem chorarmos, por estarmos anestesiados pela banalidade da violência no país, pelos constantes assassinatos, roubos, extorsões, ilegalidades e abusos de poder presentes em nosso cotidiano, na ideologia de nossa mídia e em tudo que ela torna espetáculo acrítico.

Isabella, nós nos deprimimos com tanta coisa! Você não viverá muitas delas, não só a depressão em relação às questões sociais e econômicas de nosso país, mas também em relação às nossas mazelas pessoais! Tantas as sombras dentro de nós! Não sabemos o que somos capazes de fazer, com tanta frustração e agressividade contidas. Não temos consciência do quanto precisamos de justiça, de punir e de sermos punidos, diante dos males que cometemos. Não percebemos o quanto temos preconceitos, o quanto não aceitamos conviver com as diferenças. O quanto temos invejas e ciúmes e não conseguimos buscar saídas criativas em relação a esta dor... E, assim, nos desumanizamos para sobreviver em nossa vida medíocre...

Isabella, por você, choramos por nós mesmos. Choramos o quanto nos tratamos mal, levando a vida como se não houvesse amanhã. Choramos o quanto ignoramos quem está do nosso lado, no nosso lar, no nosso trabalho, no nosso prédio, no nosso bairro, quando deixamos de lutar pelo bem estar comum e olhamos apenas o nosso umbigo.

Pois é... agora descanse em paz, Isabella. Você fez muito por este mundo. Ah! Se você soubesse! Cumpriu a missão de nos dizer que vivemos, mas que nosso mundo está em queda, e que antes do estrondo, precisamos colocar-lhe uma rede de proteção chamada amor, para que possamos resgatar nossa dignidade e alegria de viver."

2 comentários:

Eduardo Chaves disse...

Assino embaixo.

=)

Eduardo Chaves disse...

Oi! =]

Devo ter achado seu blog através de algum amigo em comum da psicologia... Não sou psicólogo, mas pretendo fazer mestrado em psicologia clínica...

Quando ao meu post, aa verdade, foi um ponto de exclamação, pois a reportagem reduziu o profissional citado a um mero comentarista de notas sensacionalistas. Tudo de relevante no caso Isabella se perdeu em prol desse reality show que virou essa história. Foi por isso ;)

Um beijo e boa semana! =***