24 de julho de 2010

Oportunidade: Roca

Quando confirmei com o Dr. Nuno Rodrigues no dia 24 de Março que a Roca em Leiria estaria de portas abertas para que eu realizasse o estágio com a equipa de Recursos Humanos, não consegui me sentir motivada a participar do processo de selecção de outras empresas. Sentia que aquela oportunidade representaria um desafio enorme na minha vida profissional por diversos motivos (apesar de só ter descobrido a maioria deles agora, depois de concluir esta experiência).

Primeiramente pela própria actividade proposta: avaliar o modelo de gestão adoptado pela Empresa exigiria (e decididamente exigiu!) que eu compreendesse a cultura da Roca em pouco tempo. Todo o processo que envolveu realizar as entrevistas: conhecer a organização funcional, entrar em contato por e-mail e/ou telefone e, finalmente, conduzir 46 entrevistas pessoalmente, que variaram de 20 minutos a 1 hora de duração por pessoa, me fizeram conhecer a forma de funcionamento, os estilos de liderança, os principais meios de comunicação e interacção adoptados pelos colaboradores da Roca em questão de dias. Sem sombra de dúvida, o espaço de fala proporcionado pela entrevista nos permite entrar em contacto não apenas com um turbilhão de palavras, mas de percepções, sentimentos, dificuldades e desejos daquele conjunto de trabalhadores.

Além disso, o facto de a Roca ser uma empresa do sector industrial me atraía muito. É difícil reconhecer que há trabalhos que exigem força física, que são monótonos e repetitivos mas que precisam ser feitos (pelo menos a curto e médio prazos porque eu sozinha não seria capaz de mudar toda a organização e funcionamento da Empresa sem a abertura da alta administração). As máquinas e os robôs ajudam muito, mas não substituem o olhar e acção humanos. A precisão e experiência são essenciais para a realização de certas tarefas e estas são características que só o ser humano possui.

Mas então, como melhorar o ambiente de trabalho e fazer com que aquela tarefa braçal respeite as limitações humanas, não leve ao adoecimento (fisicamente ou mentalmente) e mais: proporcione saúde, prazer e bem-estar ao trabalhador? Esta era uma reflexão que eu fazia todos os dias que entrava na Roca. E a simples conclusão ao qual chego até o momento é a seguinte: além de todos os esforços para melhorar as condições de trabalho e para reconhecer o trabalhador por meio de um bom salário, de formação, e de oportunidades de crescimento e desenvolvimento na Empresa, é preciso tratá-lo como ser humano. Por mais óbvio que pareça dizer isso, infelizmente, quando o foco é o lucro, os processos e a produção, as máquinas pareciam receber mais atenção que as pessoas pelos engenheiros e administradores. E creio que isso ainda aconteça até hoje porque há pessoas com formação sem educação que quando sobem níveis hierárquicos em qualquer circunstância se esquecem do significado da humildade e da sensibilidade.

No meio daquele ruído ensurdecedor, daquelas máquinas, manipuladores e robôs, é preciso fazer notar a presença dos seres humanos que ali trabalham. É simplesmente dar-lhes um “bom dia” e desejar uma “boa tarde”, chamá-lo pelo nome e não pelo número, escutar os comentários que eles têm a fazer, as sugestões que eles têm a dar (e colocá-las em prática, se for viável), é preciso elogiá-los quando o trabalho é bem feito e explicar construtivamente quando precisa ser melhorado.

O terceiro motivo que fez desta oportunidade um grande desafio pra mim esteve relacionado a morar em Leiria, uma cidade onde apenas eu dentre os meus colegas de curso iria morar e onde não conhecia ninguém quando aqui cheguei. Apesar das dificuldades nas primeiras semanas, a tranquila Leiria se mostrou o local ideal para trabalhar. No entanto, se a sua vida cultural deixava a desejar aos meus padrões, por outro lado foi muito bom porque passei a viajar mais, a descobrir outras cidades portuguesas aqui por perto.

Esse contacto com a cultura portuguesa foi enaltecido pela convivência com os portugueses e portuguesas na Roca. Sempre que redigia um texto, um dos integrantes da equipa de RH relia-o por completo para verificar se existia alguma palavra ou expressão “à brasileira” que precisava ser alterada. E esta medida constante me lembrava diariamente das nossas diferenças.

A relação profissional (em comparação com a acadêmica) faz com que a gente mantenha uma distância maior com o outro, discuta menos essas diferenças ao observá-las e eu sentia que precisava fazer esse treino diariamente. Na execução do trabalho e nas conversas na hora do almoço, observava ideias e opiniões muito semelhantes às minhas, mas também ouvia histórias que confirmavam valores, crenças e estilos de vida muito divergentes dos meus.

Ademais, não podia esquecer dos pontos fracos e fortes do meu papel como estagiária. Um dos pontos fracos de estar ali de passagem é compreender que nem sempre a minha opinião merecia atenção. Mas estar de passagem também trouxe a mais-valia de poder realizar com sucesso a actividade que me foi proposta: avaliar várias dimensões do modelo de gestão que eles adoptam e apresentar críticas, se for necessário. Depois de apresentar os resultados aos colaboradores, no dia 13 de Julho em duas reuniões a quase 80 pessoas, muitos deles vieram comentar comigo que foi muito bom escutar a apreciação de alguém de fora sobre o que eles já sabiam e sentiam – mas que por trabalharem na empresa nunca seriam capazes de torná-las explícitas.

E a brasileira que veio de fora e de longe, que já passou e já está de saída pôde expressar os ganhos que a Gestão de Qualidade Total adotada pela Roca em Leiria desde 2002 trouxe até hoje e ainda pode trazer para as pessoas que estão ali dentro há 2, 5, 10, 20, 30 anos e que ainda estarão por longos anos. Finalizei no dia 16 de Julho mais uma experiência marcante deste Mestrado. E eu espero que a minha passagem pela Roca tenha sido tão rica pra Empresa como a passagem da Roca na minha vida foi pra mim.

2 comentários:

Angela Ferreira disse...

Amiga,
Que linda reflexão de vida e de carreira!!! Se queremos ser psicólogos de verdade, seja aonde for, nunca podemos nos desvincular da diemnsão humana de nosso trabalho.
Foi ótimo amsi uma evz ler suas belas e encorajadoras palavras viu!
Em breve enviarei email para contar como andam as coisas aqui em Brasília e prepará-la para o retorno! Beijokassssssssss amiga
PS: Adorei vc estar aqui no mês do meu aniversário viu!

Aline Mamede disse...

Muito profunda, simples e humana a sua reflexão!
Ando pensando em vários pontos que você levantou pois estou alocada em um projeto em uma empresa intensiva em capital, onde os gastos com pessoas são um dos menores no orçamento. Assim que o ser humano está um pouco de lado...
E como estou trabalhando bastante com a área de RH, muitos dos seus questionamentos fazem total sentido para mim! Estou exercendo esse meu lado psicóloga (de feeling, que precisa de MUITO estudo ainda...)
Parabéns pelo trabalho!
Beijos